Dossiê Superinteressante - Edição 398-A (2019-01)

(Antfer) #1
60 África do século 21

Como os investmentos chineses


estão mudando a vida e a


geopolítca da África no século 21.


Em 11 de se-
tembro de 2018,
após duas déca-
das de confitos,
Eriteia e Etó-
pia finalmente
reabriram a
fronteira que
as divide. Foi um dia de alívio: uma
guerra ente os dois países estourou
em 1998 e, desde então, nenhum acor-
do havia sido frmado a respeito das
disputas territoriais que motvaram o
combate. “É maravilhoso. Eu vim aqui
para encontar parentes que eu não
via há 20 anos”, celebrava um etíope
ouvido pela BBC na cidade fronteiriça
de Zalambessa. Como ele, milhares de
pessoas se uniram para celebrar a paz
nos locais próximos à divisa. A festa
generalizada em dois dos países mais
pobres do mundo ecoou também em
um dos mais ricos: poucos tnham tan-
to em jogo quanto a China, que vem
investndo pesado na África desde a
virada do século e só perderia com a
contnuidade da guerra.
Muitos analistas sugeriram que o
sofrido processo de paz só conseguiu
chegar a uma resolução – que até al-
guns anos atás parecia improvável –
graças à infuência chinesa. A Etópia é
partcularmente importante nesse ce-
nário. Desde o ano 2000, o país esteve

ente os africanos que mais receberam
empréstmos da China no contnente,
mais que um décimo do total. Cerca de
US$ 12 bilhões repassados pelo gover-
no de Xi Jinping ajudaram a fnanciar
a constução e a reforma de grandes
projetos que melhoraram as condições
de vida na região e geraram milhares de
empregos – estadas, ferrovias, barra-
gens e fábricas. Com tanto investmen-
to, a Etópia ganhou o apelido de “China
da África” – não só pela presença cada
vez maior de empresários orientais no
país, mas também pelo seu rápido cres-
cimento econômico. Na últma década,
o PIB etíope aumentou uma média de
10% ao ano, e a previsão é que contnue
sendo o que mais rapidamente cresce
no mundo (veja quadro ao lado).
O interesse chinês no contnente
não é novidade. Ainda nos anos 1960,
Mao Tsé-Tung manteve ótmas relações
com alguns dos mais proeminentes lí-
deres africanos que lutavam conta a
dominação colonial. Em plena Guerra
Fria, essa aproximação era também
uma maneira de garantr que as novas
nações independentes não saíssem da
esfera de infuência do bloco socialista.
O principal projeto dessa época foi a
ferrovia Tazara, inaugurada em 1976,
que, ao longo de quase 2 mil quilô-
metos, ligava as minas de cobre no
interior da Zâmbia ao porto de Dar Es

Salaam, na Tanzânia – foi a primeira
grande obra pan-africana dedicada ao
tansporte terreste.
Quato décadas depois, a linha hoje
está decrépita e só passam nela dois
tens por semana, mas a própria China
promete ajudar a reformá-la, colocando
até um tem-bala em cima – o tempo
total de viagem, que hoje leva dois dias
em condições normais, poderia cair para
apenas dez horas. Os chineses também
falam em conectar a rede existente aos
vizinhos Uganda, Ruanda e Burundi,
países sem litoral que ganhariam acesso
fácil aos portos do leste africano.
Pequim está de olho nos recursos
do contnente e em expandir merca-
dos para seus produtos. O valor total
do comércio ente a China e a África
cresceu exponencialmente, saltan-
do de US$ 10 bilhões em 2000 para
US$ 220 bilhões em 2014. Ainda mais
importante do que isso, porém, é a mu-
dança na maneira como essa relação
econômica se dá. Na época em que
Mao fez seus primeiros contatos com
os revolucionários da África, a China
era um país muito mais pobre e fechado
ao mercado do que é hoje – o dinheiro,
além de ser mais curto, chegava aos afri-
canos por meio de doações e verbas de
ajuda humanitária. Hoje, os valores são
empréstmos, que devem ser devolvidos
em algum momento.

Um novo


colonialismo?


texto Maurício Brum

60-61_Cap3_Africa_China.indd 60 06/12/18 16:25


0
0
Free download pdf