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Sigmund Schlomo Freud
semana inteira pensando numa coisa, quando deveria
ter pensado em outra. Meu pensamento, assim, não
tinha valor apenas por si mesmo, mas também por
aquilo que ele me impedia de pensar. Isso é possível
de acontecer porque meu analista é outra pessoa.
Para Freud, isso era impossível: se ele esquecesse de
algo, não teria como se lembrar disso, pois havia se
esquecido. Quando, mais tarde, se lembrasse, já seria
tarde demais, não seria possível retomar o raciocínio
e relacionar aquilo que foi esquecido com aquilo que
foi lembrado em seu lugar. Ele não tinha como saber
que algo tinha sido esquecido, a não ser quando se
lembrasse. Ele não tinha como lembrar-se de que
não se lembrava.
Mas havia algo que Freud poderia sempre
se lembrar, mesmo antes de saber que tipo de
pensamento ocultava: seus sonhos. Os sonhos, por
serem logicamente tão deformados, por obedecerem
a outra lógica, podem ser por nós lembrados com
alguma clareza, sem que por isso nos demos conta que
escondem pensamentos importantes. Se fossem mais
claros, facilmente nos esqueceríamos deles, como
forma de nos defender de seu conteúdo incômodo.
Deformados, podem chegar à consciência inteiros,
para só então serem analisados
Assim, Freud iniciou sua autoanálise: anotando
cada um de seus sonhos e analisando-os em seguida,
tentando decifrar o que é que revelavam, o que é que
escondiam, pôde, pouco a pouco, ir descobrindo de
que se tratava seu inconsciente. O gesto freudiano
de analisar seus sonhos, apoiado por Fliess, foi o que
podemos chamar um gesto inaugural, porque único
e pleno de consequências: ao mesmo tempo Freud
realizou sua autoanálise e inventou a psicanálise.