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leva à conclusão do filme. Dá-se a essa abordagem
antiga o nome de método catártico.
Algumas dessas circunstâncias fazem parte de
uma análise, especialmente daqueles doentes a quem
chamamos neuróticos obsessivos: o sentimento de
culpa exerce neles um efeito poderoso, e de fato criam
narrativas nas quais aparecem como culpados por
coisas que, ou não fizeram, ou não estavam sob sua
responsabilidade ou possibilidade evitar. O que Freud
descobriu é que o evento traumático, ele mesmo, não
é a realidade; ele pode ter ocorrido como pode não ter
ocorrido, e assim como o neurótico cria uma narrativa
de crime e culpa, cindindo a realidade, interpretando
os fatos conforme essa criação, também o próprio
trauma pode ser efeito dessa narrativa; também o
trauma pode ter sido imaginado como efeito da
doença, como uma espécie de fantasia de origem. O
verdadeiro trauma, portanto, deve ter ocorrido antes.
Trata-se, em resumo, do próprio trauma de estar vivo.
Isso parece muito exagerado, entretanto, podemos
confirmá-lo em cada análise que realizamos. Alguns
traumas reais podem agravar uma neurose, mas é
mais verdadeiro ainda que a neurose pode prescindir
dos traumas factuais: ela se sustenta, e mesmo os
cria conforme a necessidade, uma neurose alimenta-
se de si mesma, e de pouco adianta que o paciente
descubra que aquilo em que acredita não é real:
nada o impede de continuar acreditando, ou criar
novas narrativas que preservem sua doença, a não ser
que outro processo poderoso interrompa esse ciclo.
Uma das formas de fazê-lo é através da psicanálise.
O mecanismo de uma análise, assim, seria menos
o de reconstruir a realidade perdida pelo paciente,
como nos filmes, mas reconstruir, de outra maneira,