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Sigmund Schlomo Freud
à rigidez mecânica dos relógios, mas ainda assim
precisamente: sabemos que algum tempo se passou
porque, além do tempo, algo mais se alterou em nós
mesmos: processos internos se produziram, numa
certa sucessão, dando conta de que o tempo passou.
Algumas pessoas se orgulham de serem capazes
de afirmar com quase exatidão quantos minutos
se passaram após certo período, sem consultar o
relógio. Godard, o cineasta que tão bem explorava
a dimensão do tempo em seus filmes da nouvelle
vague, era capaz de prever, com segundos de erro,
a duração de um rolo de filmagem.
Ora, o que nos interessa aqui é que precisamente
nos sonhos essa dimensão temporal, tão íntima e
cara a todos nós, é simplesmente ignorada. Nada
num sonho nos diz: “Tanto tempo se passou; foi
muito, foi pouco”. A experiência mais próxima que
temos do tempo, num sonho, é a experiência da
velocidade. Entretanto, ela não é um meio eficaz
para medir o tempo dos sonhos, pois se trata muito
mais de um elemento lógico do que cronológico:
a velocidade se apresenta como a sucessão
ininterrompida de eventos e cenas; repetições
tornam qualquer registro temporal impossível:
descíamos num carro muito velozmente e quando
estávamos prestes a nos chocar, a mesma cena
era revivida de outro ângulo, como num desenho
animado que pretende prender a atenção, ou uma
teletransmissão esportiva. Talvez os famosos
relógios derretidos de Salvador Dalí sejam uma
referência demasiado óbvia a essa característica
dos sonhos.
Como teremos a oportunidade de verificar em