Freud e seus Fantasmas - Rafael Rocha Daud

(Antfer) #1

41


outros casos, essa característica do sonho reflete
outra, que diz respeito ao inconsciente de maneira
geral, não apenas ao sonho. Trata-se, assim, da não
existência do tempo para o inconsciente. É por essa
razão que somos capazes de sonhar, com a nitidez
de algo que se deu ontem à tarde, eventos ocorridos
em nossa infância, ou mesmo quando éramos bebês
de colo. Um velho pode se recordar, num sonho, de
uma impressão vívida de sua juventude sem que ela
tenha perdido em força e vivacidade. A contraparte
disso é sabida: sentimentos desagradáveis,
impressões ruins podem retornar e nos atormentar
depois de anos, reativadas por algum encontro
fortuito, um pensamento fora de hora ou uma
dificuldade semelhante que enfrentamos na vida
atual. O aparecimento de uma neurose (ou talvez,
se formos mais radicais, seu reaparecimento) se
dá justamente por essa característica: um conflito
mal trabalhado numa idade remota é de repente
trazido novamente à tona, mesmo e talvez mais
frequentemente quando não somos capazes
de remontar, conscientemente, àquele conflito
primeiro: é como se o trauma tivesse estado latente e
nenhuma passagem de tempo houvesse desgastado
minimamente sua força original.

Os sonhos, assim, não obedecem a uma sucessão
cronológica, mas lógica. Se não há passagem do
tempo, o que determina que os eventos neles
ocorram numa determinada ordem? Que ordem
pode ser essa, que não é temporal? Por que a

“O aparecimento de uma neurose se dá justamente por
um conflito mal trabalhado numa idade remota, que de
repente é trazido à tona, quando não somos capazes de
remontar, conscientemente, àquele conflito.”

Free download pdf