Freud e seus Fantasmas - Rafael Rocha Daud

(Antfer) #1

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Sigmund Schlomo Freud

naquilo. O sonho, entretanto, faz esse trabalho
para ela: pensa sem saber que ela pensa. E o sonho
faz isso por meio desse disfarce, o deslocamento.
Em vez de fazê-la sonhar com o namorado, depois
com o pai, ambos agindo de maneira estúpida, o
que seria uma maneira certa de fazê-la acordar
irritada, o sonho representa essas pessoas, o pai e o
namorado, deslocando uma de suas características,
a barba ou a careca, para outra pessoa, uma pessoa
desconhecida, indiferente. Assim, ela é capaz
de confrontar-se com o comportamento que a
desagrada sem relacioná-lo imediatamente com as
pessoas de quem gosta. Depois, durante a análise,
no processo de interpretação dos sonhos, é capaz
de recuperar a ponte que faltava: “O homem com
barba é meu namorado, o homem careca é meu pai”.

Este é o mesmo recurso, chamado metonímia,
que aparece na poesia: toma-se uma parte de um
objeto, um aspecto particular dele, para representá-
lo todo. O sonho, como a poesia, não precisa
dizer: “Pai, namorado”. Basta que diga: “Homem
com barba, homem careca”. Quando o sonhador
estiver acordado e puder dividir essa experiência
com alguém em quem confie, poderá decifrar o
enigma e enfrentar, já que não está mais sozinho,
o pensamento que antes pensou sem saber que
pensou: que tanto seu pai quanto seu namorado
podem ser, às vezes, pessoas bastante desagradáveis.

E já que fizemos recurso à poesia, seguindo
a lição do psicanalista francês Jacques Lacan,
continuemos neste passo: se a metonímia tem sua
função no sonho, a do deslocamento, que função
terá aquela outra grande figura poética, a metáfora?
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