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Sigmund Schlomo Freud
e xingamentos à nossa própria conduta. Não é o Eu
que assim se dirige a si mesmo; trata-se de outra parte,
alguém além do Eu, mas que faz parte de nós mesmos,
que faz isso.
Tal era o fenômeno que Freud havia observado,
estudado e que agora retornava à sua mente, trazido
pelos sonhos que o surpreendiam por não parecerem
realizar desejos do Eu, conforme sua teoria costumava
exigir. O que Freud concluiu, portanto, é que esses
sonhos, que tratavam o Eu com particular crueldade,
podendo ser facilmente classificados como sonhos
ruins, eram sonhos que, na verdade, realizavam desejos
não da parte de nós representada pelo Eu, ou mesmo
desejos ocultos do Eu, inconscientes, como tantas vezes
acontece e que tivemos a oportunidade de examinar.
Nestes casos excepcionais, embora nem tão raros assim,
o que acontecia é que os sonhos atuavam no sentido
de realizar desejos dessa outra parte do Eu, que estava
como que acima dele, o superego, ou supereu.
Quando isso acontecia, o sonho se comportava
da mesma maneira como a consciência quando julga
que o Eu não está cumprindo satisfatoriamente suas
exigências. O sonho, como o supereu, agia com o Eu de
maneira julgadora, incriminadora e até mesmo cruel,
como se fosse a um tempo “promotor, juiz e algoz”, na
feliz – mas dura – expressão freudiana. O supereu, dessa
forma, para isso fazendo uso do sonho, penalizava o Eu,
após havê-lo acusado e julgado. O sonho servia, dessa
forma, como instrumento de sanção, ou pena, com que
castigava o Eu. Ficava evidente, assim, para Freud, por
que tais sonhos se manifestavam como tão agressivos,
negativos e, em uma palavra, ruins, em vez de, como era
a regra, satisfazerem um desejo – ainda que um desejo