Elle Portugal - Edição 366 (2019-03)

(Antfer) #1

ESTILO


GETTYIMAGES (1) -IMAXTRREE (7)

o passado dia 3 de janeiro, o mundo inteiro –


mas o Brasil em especial – ficou chocado quando


um vídeo de Damares Alves, a atual Ministra


da Mulher da Família e dos Direitos Humanos,


começou a circular na internet. O motivo desta reação? A


frase que proferiu perante um grupo de apoiantes: «Aten-


ção, atenção. É uma nova era no Brasil: menino veste azul,


e menina veste rosa». Claro que não era a primeira vez que


ouvíamos alguém dizer isto tanto por estas como por outras


palavras – até porque, aliás, crescemos com esta ditadura da


cor que, ficou bastante clara logo aos 4 anos de idade com


as batas que usávamos no infantário – mas porquê dizê-lo?


Especialmente tendo em conta que estamos em pleno sé-


culo XXI, e atravessamos uma era em que cada vez mais


se tenta acabar com este tipo de estereótipos associados ao


género. Portanto dizer isto, fê-la parecer... Bem... Como


se tivesse acabado de sair de uma máquina do tempo, che-


gada diretamente do século XVIII. Ou deveremos antes


dizer XIX? Ou é melhor século XX? Pois, esta é a grande


questão. Acostumamo-nos a olhar para esta regra como um


dado adquirido, mas em que momento da história da moda


é que ela surgiu e se tornou socialmente “mandatório”?


Para esclarecermos o assunto, o melhor é fazer uma


pequena viagem no tempo até, por exemplo, ao século


XVIII – altura em que para as mulheres desmaiar era mais


comum do que hoje em dia encomendar uma pizza – e olhar


para o que os pequenos rebentos da época usavam.


Como já todos sabemos, e por motivos óbvios, nesta época


a taxa de mortalidade infantil era bastante elevada, e portanto,


o investimento feito no vestuário das crianças era reduzido.


Isto fazia com que as peças adquiridas fossem o mais neu-


tras possíveis, pois como esclarece Maria João Pereira Neto,


Professora de História da Arte e da Moda na Faculdade de


Arquitetura, independentemente do género, «Os bebés


usavam vestidos, e as cores usadas eram muito clarinhas,


como os brancos ou os beges. Assim tudo era mais facilmente


lavado». (Nota: as fraldas descartáveis só surgiram no século


XXI). Para além disto, é preciso ainda reparar que, devido às


leis sumptuárias – que eram uma espécie de lei aplicada pela


“polícia da moda”, que ditava quem podia vestir o quê, e que


cores eram aceitáveis – os tecidos coloridos não eram nada


acessíveis, especialmente devido ao preço do pigmento usado


para os tingir. Portanto, as peças com cores mais vibrantes


ficavam guardados para aqueles que, de facto, as podiam usar.


Este princípio manteve-se até ao século XX. Neste momento


podemos esquecer os quadros a óleo e simplificar a coisa


olhando para fotografias. Isto porque se tiver fotos dos seus


pais, avós, ou até dos seus bisavós em criança ou em bebés,


vai rapidamente notar (mesmo que seja uma foto a preto


e branco) que todos eles usavam vestidos e peças de roupa


de tons claros, independentemente do género. Isto porque,


até então, a moda infantil era algo inexistente – e aqui,


entenda-se moda enquanto o fenómeno sociológico que é


(e sempre foi), e não como tendência.


REPORTAGEM


N


PINK


THINK


Passámos grande parte das nossas vidas a olhar para o rosa como uma


cor decididamente feminina e para azul como um tom indiscutivelmente masculino.


Mas será que essa sempre foi a regra? Por Vítor Rodrigues Machado

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