FOTOGRAFIA DE ISABEL WATSON E STYLING DE PETRA MIDDELTHON
dentro dele a pessoa pode localizar-se onde quiser. Sendo que um pólo
é o masculino e o outro é feminino, as pessoas podem localizar-se onde
quiserem. (...)Pessoas que, por exemplo, não querem fazer a cirurgia
porque encaram o corpo como uma tela em branco onde podem pro-
jetar a sua forma de identidade. A ambiguidade é a sua binariedade e
o ser ambíguo é a sua identidade», explica a psicóloga Sara Malcato.
Em termos legais, este situação é complexa, dado que em Portugal o
género neutro não é reconhecido como uma terceira opção, como já
acontece na Alemanha e outros países.
MEU CORPO, MINHAS REGRAS
A questão do terceiro género foi levantada quando também na lei da
autodeterminação foi declarado o fim de tratamentos e intervenções
cirúrgicas com fins meramente estéticos a pessoas menores de idade que
tivessem nascido com características biológicas femininas e masculinas
(intersexo), sendo definido que estes só podem ser realizados depois da
manifestação da identidade de género.
Enquadrando a questão, sabia que a percentagem de pessoas intersexo
- 1,7% – é, segundo estatísticas das Nações Unidas, igual à de pessoas
ruivas? Ou seja, a probabilidade de conhecer (ou vir a conhecer) alguém
com cabelo ruivo é igual à probabilidade de conhecer (ou vir a conhecer)
alguém intersexo. No entanto, a probabilidade de não o saber (nem nun-
ca o vir a saber) é ainda mais elevada. «A nossa necessidade de colocar as
pessoas dentro de caixas é gigante. E de facto as caixinhas existem porque
é a nossa forma de organizar o mundo. Existem categorias e elas permi-
tem-nos organizar realidade. E depois
quando nos deparamos com pessoas
que não têm lugar na nossa caixinha,
queremos forçá-las a entrar. Portanto,
se fica com um braço de fora, cortamos
o braço porque ela tem que entrar»,
explica a psicóloga.
A modelo belga Hanne Gaby Odielle, intersexual assumida, concorda.
Numa entrevista à ELLE Brasil em 2017, a musa de Alexander Wang
afirmou que «não podemos colocar pessoas em caixas, com as etiquetas
homem e mulher. Essas cirurgias tentam fazer essa distinção, mas não
funciona. Desde que seja saudável, o que é precisa de ser corrigido?
A vida tem muitos espectros». Não só a vida, o conceito de mulher
também tem uma definição fluida.
Os rótulos e as funções de cuidadora, de gerar vida no ventre que
nós atribuíamos ao sexo feminino foram, desde sempre, os principais
argumentos utilizados para definir uma pessoa como mulher. Quando
desprovida desses elementos, a sociedade retrai-se. No entanto, como
Marta Ramos, diretora executiva da ILGA afirma: «Hoje em dia sei
que não é o meu corpo que me define nem é a minha expressão de
género que me define. Eu sinto-me mulher. Eu sei que sou mulher e
felizmente vivo num país e numa sociedade em que tenho voz, se bem
que eu tenha que, em muitos contextos, gritar para ser ouvida, mas
posso tê-la e posso exigi-la e isso para mim é que é ser mulher. Saber
que temos o direito de sermos quem somos, independentemente dos
nossos corpos e da nossa expressão de género».
ATITUDE
A PERCENTAGEM DE PESSOAS
INTERSEXO NO MUNDO, 1,7%,
É IGUAL AO NÚMERO DE RUIVOS.