Elle Portugal - Edição 366 (2019-03)

(Antfer) #1

á um quarto de século atrás – que


provavelmente corresponde à sua


vida inteira – eu costumava dar


aulas sobre a teoria do feminismo


na Universidade de Oxford. Na


altura, a pessoa responsável pelos cartazes


que víamos nas ruas era Judith Butler,


cujos mais famosos trabalhos afirmavam


que o género, a sexualidade e a entida-


de biológica do homem e da mulher só


podiam ser determinados segundo a sua


performance – ou seja, pela forma como


se comportavam. A nossa heroína discutia


estas coisas de uma forma tão complicada


que nos deixava com os olhos em bico.


Andando para frente, para 2018,


dou por mim a olhar (dentro de um Pret


a Manger) para uns novos biscoitos de


gengibre, o Godfrey e a Annie. Mas de


acordo com o Pret, nenhum deles é um


boneco de gengibre do sexo masculino, o


que faz com que seja claro que se tratam


de biscoitos de género neutro. «Jesus»


penso eu, «Nós fizemos isto. Há um par


de décadas atrás, as nossas elaboradas


discussões académicas deram origem a


isto, e agora estão a ser vendidas com um


‘tenha um bom dia’».


Mas não são só bonecos de gengibre


que estão a ser atirados para o campo de


batalha em nome da igualdade de género:


nos últimos anos, cada vez mais marcas


ATITUDE


IMAXTREE (1)

(


FALSO


)


Como é que percebemos quando esta palavra, uma das mais usadas


nas discussões sobre ofeminismo, está a ser bem empregue ou apenas


gasta numa inteligente estratégia de marketing?


H


estão a veicular uma mensagem de em-


poderamento, que muitas das vezes têm


a mulher como alvo para vender os seus


produtos. E ainda que publicidade feita


diretamente para o género feminino não


seja nada novo – bem, até prémios de pu-


blicidade dedicados a este tipo de anún-


cios existem – lições de empoderamento


feminino estão constantemente a ser-nos


atiradas a cara, vindas de todos os lados.


Olhem para a mais recente campanha do


Santander Tour de Force: a “história ins-


piracional de uma mulher que lançou um


serviço de passeio de bicicleta onde leva


várias pessoas, pela cidade de Londres, a


conhecer importantes figuras do sexo


feminino, de forma a encorajá-las a en-


trar no mundo empresarial”. Desculpa?


Depois existe o furor em torno da cerveja


rosa da BrewDog feita “para as mulheres”


e que foi lançada no Dia Internacional da


Mulher – alegadamente para chamar a


atenção para o fosso salarial entre géneros



  • algo ridículo pelo tipo de estratégia de


marketing que usou. Aliás, eu enquan-


to jornalista, posso receber cerca de


900 e-mails por dia, muitos deles a falar


sobre o tema do empoderamento feminino


através de fortificantes para o cabelo ou


barras energéticas de proteína.


No entanto, na luta pela igualdade,


será que não existem problemas maiores


do que o género de uma bolacha ou a cor


da lata de uma cerveja? Não serão estes,


na verdade, apenas exemplos daquilo a


que nos podemos referir como o ‘falso


empoderamento’ – a tentantiva de ven-


der um falso e banal empoderamento às


mulheres? O empoderamento tornou-se


num dos termos mais usados – e abusa-


dos – em conversas sobre o feminismo.


E isto, de uma certa forma, acabou por


diluir e minimizar a própria causa. Usar


a palavra em tudo, retira ao termo todo o


seu sentido, e mesmo assim isto continua


a acontecer numa altura em que o genuíno


poder continua, lamentavelmente, longe


das mãos das mulheres.


Então de onde veio esta palavra omni-


presente? A primeira vez que apareceu foi


nos anos setenta, nas comunidades negras


da América. As feministas começaram a


usar o termo durante as décadas de 80 e 90,


tendendo a aplicá-lo sempre que faziam re-


ferência às mudanças do mundo em desen-


volvimento social. À medida que o sécu-


lo XX chegava perto do seu fim, as revistas


femininas começaram a apropriar-se da


palavra para apoiar as suas leitoras que,


na altura, se reviam nas Spice Girls, cam-


peãs do tão chamado ‘girl-power’ (uma


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