Folha de São Paulo - 14.11.2019

(C. Jardin) #1

aeee


poder


A14 Quinta-Feira, 14 De novembroDe2 019


Temposatrás uma jornalis-
tamedisse quese preocupar
comosmais pobresenãocom
adesigualdade erauma posi-
ção“conservadora”.Euhavia
escritoumartigobaseadona
visão de James Heckman de


que eraprecisocapacitarein-
tegrar as pessoasàdinâmica
do mercadoemeperguntava
em que sentido isso poderia ser
uma posiçãoconservadora.
Naverdade, não é.Trata-se
apenas de uma posição pou-


cosexy,emnossas democraci-
as polarizadas.Falar maldos
mais ricos ou enfileirar grá-
ficoscomadiferençaderen-
da entreaspessoastemmui-
to mais efeito, nomundoretó-
rico, do que pensarcomserie-


dade sobrecomo melhorar a
vida dos mais pobres.


Imaginemaseguintesitua-
ção. João Pedroestáparanas-
cer, ealoteriadavida decidiu
que ele iráviver em algum lu-
gar doPiauí. Suachancede
cresceremumacasa comaces-
soàrede sanitáriaéde 7 %. Se
asorteotivessefeitodescer
em algum lugar deSãoPaulo,
seriaoinverso:teriamais de
90 %dechancesdecrescerem
umacasa comesgototratado.
Aperguntaafazer: seu pro-
blemaéadesigualdade decon-
dições emrelação ao seualter
egopaulistaouofato de não
dispor de acesso sanitário?
OCongresso estáparavotar
onovomarcoregulatório do
saneamento básico.Ele parte
deumaconstatação básica: o
Estadoéresponsávelpor 94 %
dacoletadeesgotodopaís e

pertodemetadedos brasileiros
estáaté hoje semoserviço. A
ideiaéatrair investimentopri-
vado paraosetor,via compe-
tiçãoesegurançajurídicapa-
racontratos de longoprazo.
Éamelhor solução? Há al-
guma outraideia na mesa? É
possívelqueexista, maséesta
adiscussãoaser feita.Éassim
omundoreal da decisão pú-
blicaquedefatoafeta avida
daspessoas, ainda queesteja
muitolongedalógicadoen-
tretenimentoquetomoucon-
ta da política.
Omesmoocorrecom nos-
sa educação básica.Seabrir-
mos os números do Pisa,otes-
te educacionalnaOCDE,vere-
mosque há dois brasis escondi-
dos ali.Opaís das escolas par-
ticulares, que pontua próximo

àmédia norte-americana,eo
país das escolas estatais, nas
últimas posições.
OCongresso estáparavotar
onovodesenhodoFundeb, o
principal instrumentodefi-
nanciamentodenossaedu-
caçãobásica.
Aperguntaé:vamos continu-
ar proibindo, contraoque es-
tá escrito na Constituição,que
estadosemunicípios possam
fazerparceriascomboas ins-
tituiçõesprivadas sem finslu-
crativosepermitirqueas cri-
anças maispobresestudem
nas mesmas escolas que seus
vizinhos de maiorrenda?
Esta éaperguntasériaaser
feita. Exatamente apergunta
que os que játêmavidaganha
eapreciam uma boaretórica
nãogostamdefazer.

Tempos atrás, li umarepor-
tagem, aqui naFolha,sobre os
super-ricoseaconcentração
derenda no Brasil.Ofocoera
adesigualdade, mas osexem-
ploseashistórias de vidacon-
tavamalgobastante diferen-
te:elas mostravamosmales
da pobreza, emregraprovoca-
dos por nossasescolhaserra-
das, no mundoreal da política.
Uma dessas histórias eraa
do Guimarães, pequeno empre-
endedor quetentou abrir uma
rede de barbeariasequebrou.
Seu insucessoveio nacrise bra-
sileira de 2015 / 16 .Odesempre-
gobateuesua clientela desa-
pareceu. Nenhumbruxomau
transferiu seu dinheiroparao
top 1 %. Aeconomia entrou em
cr isepelasrazões sabidas, as-
sociadasàirresponsabilidade
fiscaleàsbarbeiragens nacon-
dução da políticaeconômica.
EoGuimarães pagouaconta.
Vaiaíuma lição:háumtipo
de desigualdade querealmen-
te devemoscombater.Ela não
dizrespeitoaquemproduzva-
lor,legitimamente, no merca-
do,mas, sim,anossas decisões
erradaseàcapturadoEstado
pelos grupos organizados no

mercado político.
Alistaégrande. Incentivos
fiscais localizados,como os ja-
tinhosajuros subsidiados, via
BNDES; as aposentadorias es-
peciais,capturadas por quem
se movebem no Congresso.
Tudooquefazcom que 75 %
das transferênciaspúblicas,
no Brasil, sejam classificadas
como “pró-ricos” pelo BID e
os servidoresfederaisganhem
em média 96 %amais do que
seuspares do setor privado.
Reconheçoque sãotemas in-
digestos. Elestocameminte-
ressescorporativos bem posici-
onadoseexigem, parasua so-
lução,umcaminhoespinho-
so:queasdemandas difusas,
em especial dosmais pobres,
sejam postasàfrentedas ur-
gências dos grupos de pres-
são,com sua imensacapaci-
daderetórica.
Ser umconservador,di-
goparaminhaamiga jorna-
lista, no mau sentido daex-
pressão,éprecisamenteisto:
sustentarostatus quo de um
Estado estruturalmenteque-
bradoeque,apar disso,fun-
ciona alegremente como
Robin Hood ao avesso.

oproblema estánas decisões erradasenacapturadoestado



  • FernandoSchüler


Professor do insperecurador do projetoFronteiras do Pensamento. Foidiretor daFundação iberêCamargo


Desigualdade paraalém daretórica


|dom.ElioGaspari, Janio deFreitas |seg.CelsoRocha deBarros |ter.Joel PinheirodaFonseca |qua.Elio Gaspari|qui.FernandoSchüler|sex.Reinaldo Azevedo|sáb.Demétrio Magnoli


Agente vetou cachaçaecrucifixoparaLula


‘rodrigo HilbertdaPF’,Jorge Chastalofoiquemmais teve contatocomoex-presidente na prisão em Curitiba


presosdaLavaJato
sãoPauloUm senhor oriundo
de MinasGerais chegouàre-
cepção da sede daPolíciaFe-
deral em Curitibacomuma
garrafadecachaçanamão.


Eraumpresenteparaoex-pre-
sidenteLula, presonumacela
especial noquartoandar do
prédio,de 7 de abrilde 2018 a
8 de novembrode 2019.
Coube ao agentefederalJor-

geChastalo Filho,chefedo
NúcleodeOperaçõesdaPF
paranaense,explicar que o
agrado estavaforadopermi-
tido paraumdetento ali.
“Claroque eutentei levar

na brincadeira, masosenhor
insistiu,dizendo que erauma
das melhores pingas de Minas.
Com muitapaciênciaconse-
guiconvencerosujeitoale-
vá-la embora”,disse Chastalo.
“UmafãdoLula mandou
paraele umvasocomflores
eeunão deixeientrar,por ser
de vidro. Outroqueria queeu
entregasseaele um crucifixo
deferro. Nãodava, apeçaera
cheia de pontas.”
FoiChastalo quemcontro-
lou pormaisde um anoemeio
avida doex-presidentedaRe-
pública.Todos os dias, às 8 h
em ponto, ele abriaaporta da
cela especial de Lula.Às 17 h,
trancavaopetista novamente.
Olocal tinha 15 metros qua-
drados,combanheiro, efi-
cavaisolado no último an-
dar do prédio.Lula nãoteve
contatocom outros presos,
que ficavam nacarceragem,
no primeiroandar.
Chastalocomandava os oi-
to carcereirosquesereveza-
vam, de dois em dois, em fren-
te àcela. Os agentescumpri-
amturnos de 24 horas de tra-
balho por 72 horas defolga.
AconvivênciaentreChasta-
lo eLula estádescrita em“A
ElitenaCadeia–ODia aDia
dosPresos da Lava Jato”, do
jornalistaWálter Nunes,re-
pórterdaFolha.Olivro,da
editoraObjetivaeque será lan-
çado no dia 22 ,retrataocoti-
diano na prisão dos principais
alvos da maior operação de
combate àcorrupção do país.
Oscasos se passam nascar-
ceragens da PF,emCuritiba,
enoComplexoMédico Penal,

emPinhais, presídio estadu-
al doParaná onde os presos
do Petrolão cumprem pena.
Por 280 páginas,olivrorela-
ta episódiosenvolvendooex-
presidenteLula,oempreiteiro
Marcelo Odebrecht,oex-mi-
nistroAntonioPalocci,oex-
presidentedaCâmaraEdu-
ardo Cunha,oex-governador
Beto Richaeoutros persona-
genscélebres presos pelaPF.
Chastalofoioprimeiro po-
licialasaberdamortedeAr-
thur, 7 ,netodeLula, em mar-
ço.Ele estavaemuma escolta
de presos e, porrádio,orde-
nouaoagentefederal que vi-
giavaacela doex-presidente
pararetirá-lorapidamentede
lá, paraqueelenão soubesse
da tragédia familiar pelaTV.
Os advogados de Lulaodefi-
nemcomo um sujeitodecen-
te.Policiais que não demons-
tram nenhum tipo de simpa-
tia pelo petistatambém dizem
queChastalo semprefoi corre-
to no tratocomoprisioneiro.
Para manteradistânciacom
ovigiado,ele resolveu que a
equipe que montavaguarda
nacela de Lulafosse trocada
acada 30 dias, semprecom
policiais defora de Curitiba.
Amedidaaconteceuapós
críticas porcausa daatuação
de um agentechamadoPaulo
Rocha,oPaulão—que não es-
conde doscolegasaafinidade
comideais de esquerda. Chas-
talo entãoretirouPaulão das
proximidades deLula.
Devezemquando,opolici-
al levavafrutas do pomarda
chácaradamãe para oex-pre-
sidente, que,emtom de piada,

dizia que preferia umacerve-
ja. Eraele ainda quem impedia
que advogados entregassem a
Lularefeiçõesfora do padrão
econtrolava rigorosamenteo
entraesai das visitas defami-
liareseadvogados.
Chastalo diztertomado
uma série de precauções para
que nãofosse acusado nem de
ser abusivocontraLula nem
ameno demais no tratocom
oex-presidente.
Oagenteseformou em di-
reito, masqueria mesmo era
ser policialfederal. Estudou
atépassar noconcurso,fez
umacarreiradiscretaaté ficar
famoso em 2017 ,quando Lu-
la ainda não havia sidopreso.
Apareceu escoltandoope-
tista quando elefoidepor pela
primeira vezparaoentão ju-
iz SergioMoronocaso do trí-
plex de Guarujá, antes da pri-
são. Oagentechamouaaten-
çãopela aparência.
Asfotosemque aparecia
ao lado doex-presidentefo-
raminundadas decomentári-
os. Comparam-nocomomo-
deloeapresentadorRodrigo
Hilbert.Afama degalã se es-
palhou,eele ganhou os ape-
lidosde “policialgato” e“Ro-
drigoHilbert daFederal”.
Aocontrário de outrosco-
legas que surfaram na on-
da decelebridaderepentina,
Chastaloevitou aparecer.Mas
bastavaLula dar uma entre-
vista, seja paraumórgãode
imprensa nacional ou estran-
geiro, paraestar lá estampa-
daafotodeChastalo ao lado
do então preso maisfamoso
da Lava Jato.

OagenteJorge ChastaloFilho acompanhaoex-presidenteLulaementrevistadada pelo petista
na Superintendência da PF em Curitiba Marlene Bergamo-26.abr.19/Folhapress

Realização:

•Cadernoespecial com
coberturadoevento.
•Vídeosereportagens
nositedaFolha.

Quando a
saúdeprecisa
serreavaliada

NesteSeminário Folha, serãodiscutidos
assuntosquepreocupamosusuáriosdeplanosde
saúdehoje.Entendacomoaspropostasdemudanças
nalegislaçãopodemserbenéficasounãoedequemaneira
arelaçãoentreoperadoraseseuspacientes podesetornar
mais transparente eresponsável,principalmentequandohá
umaumentonabuscaporsaúdemental tambémnas
redesprivadas. Nãopercaeste debate.

SemináriosFolha.OBrasil precisaserdiscutido.

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