Folha de São Paulo - 14.11.2019

(C. Jardin) #1

aeee


UMJORNALASERVIÇO DO BRASIL


a


Publicado desde 1921–Propriedade da EmpresaFolha da Manhã S.A.

PresidenteLuizFrias
diretorderedaçãoSérgio Dávila
suPerintendentesAntonio ManuelTeixeiraMendeseJudith Brito
Conselho editorialRogério CezardeCerqueiraLeite,
Marcelo Coelho,Ana Estela de SousaPinto, Cláudia Collucci,
Hélio Schwartsman, Heloísa Helvécia, MônicaBergamo,
Patrícia Campos Mello,Suzana Singer,Vinicius Mota,
AntonioManuelTeixeiraMendes, LuizFriaseSérgio Dávila(secretário)
diretoria-exeCutivaMarcelo Benez(comercial),Marcelo Machado
Gonçalves(financeiro)eEduardo Alcaro(planejamentoenovos negócios)

[email protected]

editoriais


Partido de bolso


Culturaàderiva


Em dezcaudalososparágrafos, o
manifestodefundaçãodaAliança
pelo Brasil, partido que pretende
dar sustentação personalista aJair
Bolsonaro, nãotoca no propalado
liberalismoeconômicoassociado
aogoverno do presidente.
Nãoécasual.Bolsonaronunca
foiumliberal ao longodesua vida
partidária em oitosiglasatéaqui.
Oacoplamentodeeconomistas or-
todoxosàsuaequipe serviu mais
como fiador paraosmercados de
suaaventurapresidencial do que
como provadeconversão.
Textos como esse não significam
muitonaprática.AAliança, nome
queremeteàagremiação de apoio
aoregime militar,tem em seupro-
grama ênfase na identificaçãocom
aliderançadopresidente esua cri-
ticada agenda decostumes,esó.
Paraos finscolocados,éoque
basta.Malsucedidonatentativa
detomarparasioPSL queohos-
pedou paraacampanha de 2018 ,
Bolsonaroembarcou no primei-
ro projeto departido criado para
umafamília no Brasil moderno.
Afimdedisputaraeleiçãomu-
nicipal do ano quevem,aAliança
temmenos de cincomeses para
obterregistronoTribunalSupe-
rior Eleitoral.Nãoéfácil.
Nãoserão surpresa disputas ju-
diciais por acusações de fraudes
comaratificaçãocartorial de assi-
naturas, masisso não impediupo-
líticos de ir em frentenopassado,
como GilbertoKassabeseuPSD.

Adiferença,adespeitodofatode
queBolsonaroempregaomesmo
advogado que auxiliouoex-pre-
feitopaulistano na sua empreita-
da em 2011 ,équeopresidente na-
datemdeagregador.
Decertoque as eleições de 2020
fomentarão umaconcentração do
quadro decandidaturas, devido ao
veto às coligações no pleitopropor-
cional,enessesentidocompreen-
de-se queBolsonaroqueirauma si-
gla parachamardesua.
Entretantoajogadatambémfa-
voreceuma fragmentação ainda
maior darepresentaçãocongres-
sual —hoje há nada menos que 25
partidosnaCâmara, nenhum deles
dominanteemtermos de bancada.
Oantes nanicoPSLtemnomo-
mento 53 deputados,osegundo
maiorcontingenteapósoPT, eali-
adosdopresidenteespeculam uma
Aliançacomcercade 30 nomes.
Nãoéexatamenteanimador em
termos de encaminhamentode
propostas ou paraevitarmovi-
mentoscontrários aoPalácio do
Planalto, comocomissões de in-
quéritoeconvocações.
Nopresidencialismo brasileiro,
éacanetadomandatário máximo
que modulaojogopolítico. Isso
temmudadoaos poucos, como a
conduçãopeloParlamentodare-
forma daPrevidência demonstra,
enão serácom um partido medi-
anoeradical queBolsonaroterá
avidafacilitada do outrolado da
praçados Três Poderes.

Nãosenotamotivação na trans-
ferência da SecretariaEspecial de
CulturaparaapastadoTurismo,
recém-promovida, alémdenova
mostradedesprezodopresiden-
te Jair Bolsonaropelo setor—ou
por aquilo queelejulga serosetor.
Ao que parece, oalcancedavi-
são das hostes bolsonaristasso-
breapolítica cultural nãovaialém
deconfrontarartistaseintelectu-
aissimpatizantesdaesquerda, su-
postamenteemrazão degenero-
sasverbas do patrocínio estatal.
Assim,tratou-se derebaixar a
secretariaoministério dedicado
àárea, providência de importân-
cia mais simbólicadoque adminis-
trativa.Pior,aestruturafoi acomo-
dada de início na esdrúxulapasta
da Cidadania, um saco degatosde
programas sem maiorrelação en-
tresisobocomando doconserva-
dor OsmarTerra(MDB).
Nasequência houveuma série de
iniciativas, em diversas instâncias
do Executivo, no sentido de boico-
tareventoseobrasapartir de pre-
conceitos ideológicostacanhos.
Oprimeirosecretário de Cultu-
ra,HenriquePires, deixouocar-
goem agosto,quandooministé-
rio suspendeuedital paraproje-
tosdeTVquecontemplava séries
comtemáticaLGBT. Seu substitu-
to,oeconomistaRicardo Braga, du-

roupoucas semanas nogoverno.
Assumeopostoagora Roberto
Alvim, no queevidencia outroato
derevanchismocontra expoentes
do mundoartístico queBolsonaro
vêcomo antagonistas.Oex-dire-
tordoCentrodeArtes Cênicas da
Funarte, afinal,ganhou tristeno-
toriedadecomumataquerecen-
te àatrizFernanda Montenegro.
Ovexamesecompletacom a
transferência da secretariapara
oTurismo,ministério inexpressi-
vo no qualseequilibra aos trancos
ebarrancosMarcelo ÁlvaroAntô-
nio,investigado por envolvimen-
to noesquemadecandidaturasde
fachadadoPSL—sigladaqual o
presidente busca agoraseafastar.
Esquece-se,nomaisdasvezes,
queaCulturanão se limitaasub-
sídios tributáriosaproduções em
música, cinemaouteatro.
Seu aparato inclui,por exemplo,
oInstituto doPatrimônio Históri-
coeArtístico Nacional,oInsti tu-
to Brasileiro de MuseuseaFunda-
çãoBibliotecaNacional, que juntos
dispõemdeR$ 850 milhões noOr-
çamentodesteano—osuficiente
paramaisque duplicar asverbas
da pastaquevaiabsorvê-los.
Haveria sentido,teoricamente,
nacombinaçãoentrepolíticas de
valorização doturismoedacultu-
ra.Nãopareceser ocaso,porém.

ProjetopersonalistaecasuísticodeBolsonarotraz


riscodeacentuar fragmentação de seuapoio


SãoPauloAfronteira daBolíviacom
oBrasil guarda um povoado que, de
tãopequeno,passa anônimo pelo
mapa. Surgiu após um incêndio de-
vastar um vilarejo chamado Monte-
video. Apopulaçãoreconstruiu as
casas num lugar próximo,aolado
de um igarapé.Àsmargensdas ru-
as deterra, vive-se docomércio de
produtosdezona franca.
Quem sai do Acreechegaali há
deterdificuldade em perceber que
atravessouafronteira. Dificuldade
que acaba quandoseobservaono-
me do lugar:PuertoEvoMorales.
Trata-se de homenagem,feitaem
2007 ,aopresidenteque assumirano
ano anterior.Informado do batismo,
ele afirmou: “Companheiros, quero
parabenizá-los pela decisão”.
Aabsolutafaltadecerimôniado
personalismo políticolembra quan-
to se evoluiu institucionalmentedo
lado decá da fronteira, ainda que não
pareça—no Brasil,éproibidodes-
de 1977 atribuir nome de pessoa vi-
va abem públicodaUnião.
Mostratambémcomoresultadi-
fícil aplicar princípiosgerais sobre

certoeerradoaquaisquerrealida-
des.Éfácilverumgolpe emcada es-
quina quandooúnicocompromis-
so élacrarnas redes.
ABolívia pareceummundoàpar-
te dentrodorealismo jáfantástico
da AméricadoSul.Temáreapouco
maior do queadeMatoGrosso,mas
vivecomrenda percapita menor do
quemetade da do estadobrasileiro.
Cresceu muitoparacontinuarpobre.
Os brasileiros são criticados,com
razão,por daremascostas aosvizi-
nhos.Ointeresse pelaBolíviaorbita
ostemas preçodogás eLibertado-
resdaAmérica.Pioréapercepção
de que, mesmoquandoopaís entra
noradar,sua tragédia no fundo pou-
coimporta—oquevale ésaberco-
mooque ocorrelápode ser usado
na disputapolíticadaqui.
Os bolivianosforamàsurnas em
20 de outubroparaescolher entre
novecandidatos. Nenhum deles se
chamavaJeanineAñez, mas esseéo
nomedapessoaque assumiuaPre-
sidência.Nofim, mais um soprode
nada paraquem já tinhatão pouco.
[email protected]

BRaSÍlIaOs partidos que encabe-
çamoblocomajoritário do Con-
gresso querem derrubaramedida
dogoverno que acabacomosegu-
ro obrigatório deveículos. Num só
movimento, os deputadospreten-
dem dar ao Planaltoumsinal claro
de insatisfaçãoeestabeleceruma
barreiraaouso dacanetapresiden-
cialcomo instrumentoderetaliação.
Omundo políticoimpôs alguns li-
mitesaJairBolsonarodesde que ele
assumiuopoder,mas aarticulação
paravetarofimdoDPVATcarregaum
simbolismo particular no momento
emqueopresidentefinaliza seu di-
vórcio comopartidoqueoelegeu.
Amedidaprovisória queextingue
oseguro, editada na segunda ( 11 ),
atingeemcheioumaempresa do
deputadoLuciano Bivar, grande ri-
valdeBolsonaronadisputainterna
doPSL. Acanetadadogoverno pode
tirar da Companhia Excelsior deSe-
gurosumareceitaestimada emcer-
ca de R$ 5 milhões por ano.
Numareuniãonoinício da semana,
líderes de partidosdecentro decidi-
ramtrabalhar paraderrubarotex-

to,comoargumentodequeoCon-
gressonão daráchancelaauma vin-
gançaparticular do presidentecon-
traadversários políticos.
Amovimentação dos parlamenta-
reséummau prenúncio para Bol-
sonaro. Ao fim de um ano derela-
ções turbulentas,oCongresso ame-
açaficaraolado de um desafetodo
presidentediantedeumcisma que
fragiliza ainda maissua base aliada.
Oargumentooficial paraofimda
cobrançaéoaltocustodeoperação
do DPVATeonúmerodefraudes
(queédeapenas 2 %detodos os pe-
didos de indenização).Mesmoassim,
os parlamentaresqueremanular a
medida provisória ainda nesteano.
Bolsonarogostadeusaropoder
paraperseguir críticoseadversários
—eoCongresso mostrasua dispo-
sição parafreá-lo.Naterça ( 12 ), se-
nadoresrejeitaramadecisão dogo-
verno de acabarcomapublicação
obrigatória de balanços de empre-
sas em jornais. Quando publicou a
medida,opresidenteinsinuou que
oobjetivoera prejudicaraimpren-
sa.Foiderrotado por 13 votosa 5.

RIoDEJaNEIRoLula,oincriticável. É
isso mesmo.Desdeodia em que o
ex-presidenteganhoualiberdade,
apressãopara que não se critique
opetistaeseu partidoteve uma es-
calada violentanodebate público,
comointuitodeobviamentecalar o
debate.Nãoéahoradeapontar er-
ros, contradições, idiossincrasias,
porqueademocraciacorreperigo,
pregam seus partidários.
Bolsonaroecompanhiajá deram
motivos de sobraparaacreditarmos
que seucaráterédespótico. Masolha
que maravilha.Pararesguardar ade-
mocracia, defende-se que as pessoas
se autocensurem porque nãoécon-
venientebater no partidoque os “de-
mocratas” acham seraúnica alterna-
tiva ao autoritarismodogovernoatu-
al .Deixaver se eu entendi, aopção
aumgoverno autocrataéuma opo-
siçãoque nãogostadequem se ma-
nifestalivrementesefor contraela?
Nãobastaser críticoaogoverno,
seus desmandos, seus ministros bor-
ra-botas, defender queoSTF julgue
procedenteasuspeição de Sergio

Moro. Épreciso demonstrar apoio
irrestritoaoPTeaLula para nãoga-
nharoselo de “fascista”.Apoiadores
ficam indignados quandocompara-
ções sãofeitas às duas principaisfi-
gurasnapolítica do país.Falsa sime-
tria, gritam. Masoque nãofaltam
sãoatitudes quecolocamBolsona-
ro eLula dentrodomesmo espectro
em que habitam líderes populistas.
Com Lula emcampanha pelo pa-
ís, oseucomportamentodehoje e
de ontemvoltará aser passível de
escrutínio por partedasociedade
edaimprensa —aquela culpada pe-
la vitóriadeBolsonaro, segundo os
petistas.Oque sevê éque qualquer
críticanegativajácomeçouaser re-
batidacomapobreeinfameretóri-
ca bolsonarista.
Deum lado,“eoPT?”, apontamos
governistasparatudooqueaconte-
ceno país.Dooutro, “e oBolsona-
ro?”,rebatemosapoiadores do lu-
lopetismo quando as opiniões são
desfavoráveis. Etemgentequetem
apachorradefalar emfalsa simetria
entreesses doisextremos.

De EvoaJeanine


Onovorecado do Congresso


Lula,oincriticável



  • Roberto Dias


  • BrunoBoghossian




  • Mariliz PereiraJorge




Aorenunciar,forçado pelos
militares, oboliviano EvoMo-
ralestornou-se o 17 ºpresiden-
te sul-americanoadeixarocar-
goantes dotérmino do man-
dato,acontar dorestabeleci-
mentodademocracia nare-
gião,nobojo do que viriaase
chamarterceiraonda demo-
cratizadora.
Apartir de meadosda dé-
cada de 1980 ,eleições livres
ecompetitivastornaram-se
aregradeescolha dosgover-
nantesnuma parte do mundo
onde, de há muito, opresiden-
cialismoera anorma. Por es-
sa métrica,aAméricado Sul
deixavaparatrásumpassado
de instabilidade políticacom-
binadacomperíodos menos
ou mais longosdeautoritaris-
mo civiloumilitar.Ese junta-
vaao crescentegrupo de na-
ções politicamentelivres, nas
quais LegislativoeExecutivo
se formavamsegundo as pre-
ferências do eleitorado,sob a
regência dasleis.
Entretanto,nãoforampou-
cosospresidentes que, eleitos
segundo bons preceitos demo-
cráticos, tiveram seu mandato
encerrado antesdotempoem
virtudederenúncia,impeach-
ment ou algum tipo de artima-
nhagolpista:apartirde 1985 ,
foramdois noParaguai, três na
BolíviaenoEquador,dois no
Peru, um naVenezuela,dois
na Argentinaedois no Bra-
sil.Nãosecomputaaqui Hu-
goChávez, que morreu quan-
do ainda estavanogoverno.
Asexceções ficam porconta
do Uruguai, do ChileedaCo-
lômbia, ondetodos osgover-
nanteseleitos cumpriram seu
mandato constitucional.
Para ocientistapolíticoda
UniversidadeNotreDame
(EUA) Aníbal Pérez-Liñan, a
receitadas crises presiden-
ciais quase semprecombina
grandes manifestações de rua
compresidentes sem maioria
no Legislativo—ou, em suas
palavras, sem escudo parla-
mentar.Ele observatambém
quesetrata deuma novafor-
ma de instabilidade política:
os presidentescaem, mas o
regime democráticocontinua
em pé.Eosnovosgovernan-
tesvoltamaser escolhidos pe-
los procedimentoscostumei-
ros: eleições livreserazoavel-
mentelimpas.
Por esse motivo, há quem
acrediteque estejamos dian-
te de um processo emcerta
medida normal, uma espé-
cie de flexibilização daregra
do mandato comprazofixo,
típicadopresidencialismo,
aproximando-o,naprática,
do sistema parlamentarista,
no qualogovernocaiquando
perdeaconfiança—e, emge-
ral, amaioria— do Legislati-
vo.Umaforma de lidarcom
governosemcrise, semcom-
prometerademocracia.
Nãopareceser ocaso.Pro-
cedimentocorriqueiro no par-
lamentarismo,aqueda dogo-
verno soboregime presiden-
cialistanão sefazsem gran-
de polarização política, ten-
sãosocialedesgastedacon-
fiançanasregras que permi-
tematodoscontinuar apos-
tando no jogodemocrático
—esó nele.
[email protected]

Antes de Evo



  • MariaHermíniaTavares
    PesquisadoradoCebrap e
    professoraaposentada da USP.
    Escreve às quintas


Benett

Secretaria troca decomandoepassa paraapasta


do Turismo,emmostraderevanchedeBolsonaro


opinião


A2 QUinTa-FEira,14DEnovEmBroDE2 019
Free download pdf