aeee
mundo
A20 Quinta-Feira,14DenovembroDe 2019
Desde que assumiuocargo,em
2006 ,Evo Morales minousiste-
maticamente as instituições de-
mocráticas daBolívia. Elecon-
centrouaautoridade em su-
as mãos, denunciouaoposi-
çãoemtermoscadavezmais
agressivosecolocou figuras le-
ais em instituições-chaves, des-
deaemissorapúblicadopaís
aseu tribunal superior.
Nos últimosanos, Evoin-
tensificou os ataques aoEs-
tado de direito.Convocouum
referendo paraabolir olimite
de doismandatos presidenci-
aisestipulado pela Constitui-
çãoque ele próprio defendeu.
Quandoamaioria dos bolivi-
anosrejeitouaproposta, Evo
recorreuaumcontrolecada
vezmaisrígidodas institui-
ções, antes independentes, pa-
ragarantir que pudessecon-
correr de qualquer maneira.
E, quando parecia que ele não
conseguiriavenceroprimeiro
turno das eleições, seus associa-
dosorquestraramoqueaOrga-
nização dosEstados America-
nos chamoude “claras manipu-
lações”dacontagem devotos.
Assimcomo muitos popu-
listas de esquerdaededireita,
Evoafirmavaexercer opoder
em nome do povo.Como seu
perfilnoTwitter sugere, Evo
acreditaqueéopovo. Mas,
após semanas de protestos em
massa,foisuaperda de legi-
timidade entreamaioria de
seuscompatriotasqueofor-
çouarenunciar.
Oque Evoealguns de seus
apoiadores ocidentaismais
crédulos descrevemcomogol-
pe é, naverdade, algomuito di-
ferente:aprovade queosbo-
livianos—assimcomo osci-
dadãosdemuitos outrospaí-
ses—rejeitamregimes arbitrá-
rios. Quantomais elessofrem
aopressão,maisvalorizam as
instituições democráticas que
hoje são ameaçadas por popu-
listasemtodoomundo.
Mas isso não significaque
agoraofuturodademocra-
cia daBolívia estejaseguro.
De seuexílio no México, Evo
fazopossível parapolarizar
aindamaisprofundamenteo
país,tornando muitodifícil
paraumgoverno interinocon-
quistarorespeito da maioria
doscidadãos. Issotorna ain-
da mais urgenteque seusad-
versários sejamconciliadores.
Mas atéagora elestambém
aprofundaramastensões no
país, escolhendo um sucessor
partidário paraEvo;tolerando
alguns ataques violentosaos
legisladoresdopartido dele; e
exacerbandoabatalha sobreo
papel do cristianismo no país.
ArevoltacontraEvofoijus-
ta.Masahistória nos ensina
que mesmorevoltas justas po-
demterminarem violênciaou
tirania. Paragarantirquese-
jam lembradoscomo heróis, e
nãovilões, os líderes da oposi-
çãoprecisam, portanto, enfa-
tizar seurespeitopelopluralis-
mo político, organizareleições
livresejustasomaisrápido
possívelegarantirque asFor-
çasArmadas do país não as-
sumammaior poder político.
Apesardaincertezasobreo
futurodaBolívia,osrecentes
acontecimentosem La Pazde-
vemnos fazeresperar um futu-
ro melhor,mais umavez.Apo-
pulação daBolívia acabou sere-
cusandoatoleraraperda de su-
as liberdades pelas mãosdeum
governo que sempreprometeu
ampliá-las. Há boasrazões para
imaginar queaspopulações da
Turquia, da HungriaedaÍndia
também serebelarãocontraas
falsas promessas dos populistas
que hoje osgovernam.
No apogeu dasfestividades
globais emcomemoração à
queda do MurodeBerlim,es-
sa éuma boarazão parareno-
varnossocompromissocomos
valores básicos da democra-
cialiberal: liberdade individu-
al eautodeterminaçãocoletiva.
Mastambéméum aviso de que
alutacontraopopulismo não
cessacomaderrubada de su-
postos ditadores; pararestabe-
lecerademocracia em uma ba-
se mais segura,seus defensores
precisamfazeropossível para
superarapolarizaçãoque per-
mitiuque ospopulistas pros-
perassem,emprimeirolugar.
tradução de Luizroberto m. Gonçalves
opopulismo nãocessacomaquedadeditadores, mascomofimda polarização
- YaschaMounk
Cientistasocial,éprofessor associado na universidade Johns Hopkinseautor de ‘o Povo ContraaDemocracia’
ArevoltacontraEvofoijusta
BRASÍLIAAestreia dogover-
no deJair Bolsonaro(PSL)
na organização de umeven-
to internacionalfoimarca-
da porproblemas de logís-
ticaeinformação,levando
integrantesdedelegações
estrangeirasadesistirem
da participaçãoemumen-
controempresarial.
Para chegar ao local on-
de ocorreu umfórum em-
presarial da 11 ªCúpula dos
Brics (Brasil,Rússia, Índia,
ChinaeÁfricadoSul), nes-
ta quarta( 13 ), em Brasília,
jornalistaseautoridades
enfrentaram problemas no
deslocamento. Diferente-
mentedodivulgado pelas
autoridades,oacesso não
foipermitido por meio de
carros particulares, táxis
ou serviçosdeaplicativos.
Quemtentavachegarao
localfoideslocado ao Clube
do Exército, a 2 km daceri-
mônia. Apesar da informa-
çãodequeotraslado seria
feitoporvans, integrantes
de delegações ejornalistas
credenciadosforaminfor-
mados de que não havia au-
torização para apartida.
Nãohavia no localprofis-
sionaiscapacitados para se
comunicar em línguas es-
trangeiraseapenas oficiais
de baixapatentedoExérci-
to estavam no local.
Apósreclamações ao Pla-
nalto, umveículo de emer-
gênciafoienviadominutos
antes do iníciodasolenida-
de.Auxiliares dogoverno
sul-africanotambémforam
barradosetiveram de espe-
rarpor mais de uma hora
parachegaràcerimônia.
Pela manhã,oencontro
bilateral entre Bolsonaroe
opresidentechinês, Xi Jin-
ping,noItamaraty, tam-
bémfoimarcado por desor-
ganização.Nolocal monta-
do no Itamaratyparaque
os jornalistas acompanhas-
sem os pronunciamentos
ao final do encontrobila-
teral, nenhumdosfones
comtradutoresfuncionava.
Oúnicotelevisor que
transmitia paroudefun-
cionar duranteadeclara-
çãodobrasileiro.
UmrepórterdaTASS,
agência oficial dogoverno
russo, nãoconseguiuser
credenciado nemapós pe-
didos da chancelaria russa.
Ele brincou:“Tudo bem, no
ano quevemacúpula será
naRússia,vocêsvãover”.
PatríciaCampos Mello,
GustavoUribe, Ricardo
Della Coletta,FabioPupo
eTalitaFernandes
Leia mais sobreaCúpula
dos Brics na pág. A
Falha logística
marca estreia
do governo à
frente de evento
internacional
- Ivan Martínez-Vargas
SãopAuLoApósaautopro-
clamaçãoda senadoraJea-
nineAñezcomopresiden-
te daBolívia em uma sessão
sem quórum no Congresso
do paísnaúltimaterça-fei-
ra ( 12 ), cientistas políticos
ouvidos pelaFolhaafirmam
queaposse delaéilegítima.
Paraodiplomata Rubens
Barbosa, presidente do Ins-
titutodeRelações Interna-
cionaiseComércio Exteri-
or,Añez não poderiateras-
sumidoaPresidência.
“O que aconteceu ali nãofoi
oque estáprevistonaConsti-
tuição boliviana.NemCâma-
ra nem Senado tinham quó-
rum.Não poderiaterhavido
aautoproclamação delacomo
presidente daRepública”,diz.
“Não quero entrar no deba-
te sobresefoi umgolpe de Es-
tado ou não, masasituação
daBolívia nãoéuma situação
normal,eogoverno brasilei-
ro deveriateraguardado para
vercomoevoluiasituação in-
ternaantes dereconhecer[a
senadoracomo presidente].”
Aposição do diplomata édi-
ferentedaapresentada há dois
dias, antesdaautoproclamação
de Añez, quandodisse que “não
houvegolpenenhum”nopaís.
SegundoBarbosa, Evotam-
bém nãorespeitouaConsti-
tuição aoconcorrer nova-
menteàPresidência depois
deterperdido em 2016 um
referendo que poderiaper-
mitirumanovareeleição.
ParaJosé ÁlvaroMoisés,
professor de ciência política
da USP,nãoexistehoje clare-
za sobrequem,dopontode
vistaconstitucional,tem di-
reitodeassumiraPresidên-
cia.“AsituaçãocolocaaBo-
lívia em um quadrodere-
trocesso na AméricaLatina.”
Paraoacadêmico, não há
dúvidas de queoprocesso
todo se tratou de umgolpe.
“Houveumpronunciamento
militarqueforçouarenúncia
do presidenteEvoMorales.”
AssimcomoBarbosa, ele
apontaque Evojáhavia infrin-
gidoaConstituição boliviana
ao desrespeitaroresultadodo
referendo.“Adespeitodos er-
rosque ele defato tenhacome-
tido,comoafraudenaúltima
eleição[detectada pela Orga-
nização dosEstados America-
nos], ele sofreu umgolpe”, diz.
“AadministraçãodoEvo é
ambígua.Dopontode vista
econômico, vinhatendo bons
resultados, mas ele adotou um
caminho peloqualhavia uma
autoimposição delecomo líder
permanente,eisso encontrou
resistência na sociedadeena
oposição,embora tenhahavi-
do uma posiçãofavorável por
partedacorteeleitoral [a uma
nova candidatura de Evo]”.
Já ocientistapolíticoeco-
lunistadaFolhaDemétrio
Magnolidiz que EvoMorales
sofreu umcontragolpe, ou
umgolpe da oposiçãocontra
um primeirogolpe de Evo.
“O pronunciamentomilitar
pedindoarenúncia de Evoin-
dicaumcontragolpe.Já havia
umgolpeemcâmeralenta
conduzido por Evocontraas
instituições democráticas”,diz.
“Começoucom umatenta-
tivadereeleição que violava
umreferendoeseconsumou
comirregularidades na elei-
ção. ABolívia já estava fora das
regras do jogodemocrático.”
Demétrio lembraquease-
nadoraassumiuaPresidência
em uma sessão sem quórum,
porque, dizele, os parlamen-
taresnãoforamaoCongresso
por decisão políticadoEvo.
“Paraele,éimportanteesta-
belecer anarrativadeque hou-
ve umgolpe,ehouve. Quando
você estáforadademocracia,
os governoscaem porgolpes.”
Segundo ele, as decisões
de BrasileEstados Unidos
dereconheceraPresidência
Para especialistas, manobra
da senadoraAñez éilegítima
opositoradeevo morales se autoproclamou presidenteinterina da bolívia
da senadoraAñezestá“liga-
daàposição ideológica” dos
governosTrumpeBolsonaro.
“Por outrolado, éuma de-
cisão inevitável, dadooexílio
de Evo. Aoir paraoMéxico,
ele dá sinais de queorealis-
mo políticomanda aceitar a
situação.” Magnoli afirmaque
ofuturodoregime depende
de qual ala da oposição ao
ex-presidentevai prevalecer.
“Há hoje umaala modera-
da,cujo líderéCarlos Mesa
[que disputouaeleição de
outubrocontraEvo]eoutra,
extremista, de LuisFernan-
do Camacho.Seestaúltima
empalmaropoder,épossível
queaBolíviarume paraum
regime autoritário”, afirma.
Para ele,ofator determinan-
te paradefinir se as eleiçõesbo-
livianasserão legítimaséapos-
sibilidade de queopartido de
Evo, oMAS(Movimentoparao
Socialismo), participe do pleito.
“O partido pode boicotar
as eleições, maséimportan-
te que ele não sejaimpedi-
do de disputá-las, porque é
umaforçapolíticalegítima.”
Oboliviano GustavoPedra-
za, quefoicandidatoavice-
presidentenachapa enca-
beçada por Carlos Mesa nas
eleições de outubro, afirma
que não houvegolpe, “e sim
umarenúncia provocada
por umarebelião popular”.
“Os cidadãos pediram no-
vaseleiçõescomoutrotri-
bunal eleitoral antes mesmo
da auditoria da OEA.Quan-
do se descobriu queopleito
foiumroubo,pediu arenún-
cia do presidentequefoio
autor intelectual da fraude.”
Opronunciamentodoco-
mandantedas Forças Arma-
dasdo país, Williams Kaliman,
que pressionou Evoarenun-
ciar,segundo Pedraza,foi mo-
tivado pelarecusa dos mili-
taresemreprimir protestos.
Ele diz queaautoproclama-
çãodeAñezélegaleestáam-
parada em umcomunicado
emitido peloTribunal Cons-
titucional naterça-feira( 12 ).
Otextoafirmaque não é
necessáriaresoluçãodo Con-
gresso paraqueovice-presi-
denteassumaocargoemca-
so derenúncia do mandatá-
rio.Citacomo jurisprudência,
porém, uma decisão do órgão
proferida em 2001 e, portan-
to,anterioràatual Constitui-
çãoboliviana, promulgadaem
2009 duranteagestão de Evo.
Além de Evoedovice-pre-
sidente,ÁlvaroGarcíaLinera,
renunciaramtambém os pre-
sidentes da Câmara edoSe-
nado bolivianoseoprimeiro
vice-presidentedoSenado.
“Jeanineeraasegunda vice-
presidentedoSenado,apróxi-
ma na linha sucessória.Pela in-
terpretaçãodoTribunal Cons-
titucional,asessão queapro-
clamou não precisava de quó-
rum. Sua missãoéconvocar
eleições limpascomaparti-
cipação detodosospartidos.”
Os episódios de violênciaco-
moainvasãodacasa de Evo
em Cochabamba, segundo ele,
“sãoatos de umaturba semlí-
dereisso nós nãoaprovamos”.
Militar ajeitafaixa presidencial usada pelaautoproclamada presidentedaBolívia, Jeanine Añez Oscar Ortiz Antelo noTwitter
“
Oque aconteceunão
foioqueestá previsto
na Constituição
boliviana.Nem
Câmara nemSenado
tinham quórum.Não
poderiater havido
aautoproclamação
delacomo presidente
daRepública
Rubens Barbosa
ex-embaixador do brasil
nos estadosunidos