Folha de São Paulo - 14.11.2019

(C. Jardin) #1

aeee


opinião


Quinta-Feira, 14 De novembroDe2 019 A

erramos
[email protected]

Bolívia
Zelaya(Honduras), Lugo(Para-
guai), Dilma (Brasil), Chávez(ar-
rancadoedevolvidoaopoder) e,
finalmente,Evo(Bolívia).Golpes
de Estado?Não, imagina.
Hermes Espíndola Júnior(São José, SC)

*
Éengraçado.OBrasil está setor-
nando pródigoemreconhecer as
autoproclamações.Reconheceuo
autoproclamado presidentedaVe-
nezuela.Reconheceuaautoprocla-
mada presidentadaBolívia.Reco-
nheceuaautoproclamada embai-
xadoradaVenezuela. Acho que
euvoumeautoproclamargene-
raleocupar um quartel.Deprefe-
rência aquele perto do Ibirapuera.
BarbarellaDuran(Sã oPaulo, SP)

Invasãoàembaixada
Asdisputas entre oponentesvene-
zuelanos viraram brigaderua em
Brasília(“Depois de 12 horas, alia-
dos de Guaidó deixam embaixada
daVenezuela em Brasília”, Mundo,
13 / 11 ). OBrasil deve manter distân-
cia políticaeevitaropior,através
do policiamento.
Nacib Hetti(belo Horizonte,mG)

Trabalho
RicardoPatahdescortina umce-
nário preocupante(“Novomundo
do trabalho”, Tendências/Debates,
13 / 11 ). Alerta-nos paraaincapaci-
dade doatualgoverno decolocar
em perspectivaosimpactos sociais
eeconômicos negativos decorren-
tesdeummercado de trabalho al-
cançado peladisputaentreaqueles
quetêmrobôeosquetêmapenas
aforça de trabalho para oferecer.
Luiz de Souza Arraes,presidente
daFederaçãoestadualdos
trabalhadores em Postosde
Combustíveis(osasco, SP)

Partidos
RuyCastro, vocêéumfilósofo!
Seutexto, irretorquível,esuas pa-
lavras,geniais (“Partidossemsen-
tido”, Opinião, 13 / 11 )!
LetíciaMoreira DiasKayano
(SãoPaulo, SP)

*
Brilhanteadecisãodeapartar num
só partidoradicalos defensores do
regime militar edaevangelização
institucionalizada paraonosso pa-
ís (“Novasigla deBolsonaromescla
militarismoereligião;metaéatra-
ir dissidentes defora doPSL”,Pai-
nel, 13 / 11 ). Nossa labutaemfavor da
democracia serámaisfácil assim.
Caetano Estellita Pessoa
(SãoPaulo,SP)

Vice
Éprecisolembrar àFolhaque não
há monarquia no Brasil, muito me-
nos príncipe (“Bolsonaropergun-
tousepríncipeera gayantes de de-
sistir delecomo vice, dizFrota”, Mô-
nicaBergamo, 13 / 11 ).Ojornalnão
usaadefiniçãocorretaaochamar
de príncipeodeputado Luiz Phi-
lippe de OrléanseBragança, sem
pôr aspas nem sequer acrescentar
um“autoproclamado”,tal como é
feitocom Guaidó.Seele épríncipe,
eu sou barão da Vila Clementino.
DanielDieb(São Paulo,SP)

Violência
Ficoapensar no silêncio daqueles
que moram nazona sul do Rio deJa-
neiroeapoiamapolíticadeEstado
de Wilson Witzel (“NoRio,menina
de cincoanos morreaoser atingi-
da por bala perdidaacaminho da
escola”, Cotidiano, 13 / 11 ). Ninguém
conseguefazerasimplesrelação
ever que nenhuma das mortes de
criançasfoinazona suleque ne-
nhumacriançaera branca?Épor
isso que as missas deNossa Senho-
ra de Copacabana serãocoroadas
commúsicas lindas,regadasahós-
tias que transformam almas, mas
não humanizam.
BaltasarGomezJúnior(São Paulo,SP)

República
ARepúblicafoi declaradanopa-
ís para queaselites políticas se li-
vrassem dafamíliareal portugue-
sa. Osrepublicanos mantiveram a
monarquia sobodisfarce deRepú-
blica.Trocaram os títulos nobiliár-
quicos, masmantiveramas prer-
rogativaseahierarquia dacorte.
Os prédiosgovernamentaisconti-
nuaramaser palácios,orei virou
presidente,cercadodevice-reis
na CâmaraenoSenado,além dos
11 do Supremo. Todoscompode-
resimperiais, imuneseinalcan-
çáveis pelas leis.Osduques, mar-
queses,condesebarõessãonos-
sosgovernadores, ministros,ge-
nerais.Aplebe bancaaboa vida
da nobreza.
JoséTadeu Gobbi(São Paulo,SP)

Bolsonaroximprensa
“Globo perde participaçãoemver-
ba oficial de publicidade sobBol-
sonaro” (Poder, 12 / 11 ). Essa no-
tícia servecomo umverdadeiro
atestado de burriceaquemboi-
cotameiosdecomunicaçãoque
não se curvamantepressões. Es-
te éumbom momentoparaquem
produzecontratapropaganda nos
melhores meiosdecomunicação
assumir uma posição de dignidade
econtinuarprogramandoosmei-
os boicotados.Talvez assim esses
Torquemadas de plantão apren-
dam algumacoisa.Trabalhoem
propagandahámais de 60 anos
enuncavitanta faltaderespeito
comosetor.
HumbertoMendes(São Paulo, SP)

Reformas
Asreformas tidascomoindispen-
sáveis pelo governo estão sendo
implementadas.Equandoéque
as nossas autoridadesterãocora-
gemsuficienteparaenfrentar os
poderososbanqueiros,que há dé-
cadastêmlucrosexorbitantesem
nosso país?
RobertoFissmer(Portoalegre,rS)

*
Uma perguntaque não quercalar:
congressistasefuncionários do
Parlamentotambémestarão sub-
metidosàreforma daPrevidência?
EosLegislativos estaduaisemuni-
cipais?EoJudiciário,emtodos os
níveis?OLegislativopromulgou a
reforma, iniciativadoExecutivo.
EagoraBolsonarodeverásancio-
naramedida queelepróprioge-
rou. Pode isso?
JoãoCoelhoVítola(brasília, DF)

Urnas
Em “Desinformação: um risco
àdemocracia”(Tendências/De-
bates, 13 / 11 ),aassessoradoTSE
Ana CristinaRosa escreveque o
processo eleitoral brasileiro, em-
boramarcado pelaceleridade na
divulgaçãodos resultados,temsi-
docolocadoemsuspeição,apon-
tode criargravesperturbações
que põem em riscoanossa de-
mocracia. Exagerou. Em nenhu-
ma eleiçãofoicolocada em risco
anossa democracia. Pelocontrá-
rio,ela temsefortalecido.Quan-
to às urnas eletrônicas,acerteza
de que elas sãoconfiáveis éofato
de as pesquisas de bocadeurna,
na grande maioria davezes, se-
remconfirmadas peloresultado
final das eleições.
João HenriqueRieder(SãoPaulo,SP).

DPVAT
Bolsonarovai acabarcomoDP-
VAT, valor querepresentaumpou-
comaisde R$ 40 ao proprietário
doveículo.Opresidentepoderia
aproveitaraoportunidadeeex-
tinguirtambémoIPVA(cujovalor
querepresenta 4 %dopreço dove-
ículo), quefoicriadocomafinali-
dade de melhorar as estradas mas
acabousendo desviadoparaou-
tras despesas.
FranciscoStanguini
(São Caetano doSul, SP)

MERCADO(13.NOV.,PÁG.A28)Dife-
rentementedopublicado em “Co-
missãorejeitaMPquedesobriga
empresa de publicar balançoem
jornal”, oministroGilmarMen-
des,doSTF (SupremoTribunalFe-

deral), suspendeuaMedidaProvi-
sória 896 ,que tratadapublicação
deatos públicos em jornais,enão
aMP 892 ,que acabacomaobriga-
çãodeempresas publicarem seus
balanços em jornais impressos.

PaINeLDoLeITor


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direitodepublicar trechos das mensagens. informe seu nomecompletoeendereço

AlivedeJairBolsonaroreagindoao
queoJornalNacional disse sobresua
eventualconexãocomocaso Mariel-
le deixou boaparte do país perplexa.
Adeclaraçãodeguerraaogoverna-
dor do Rio deJaneiro, Wilson Witzel
(PSC),échocante. Ostermos de bai-
xocalãoeasameaçasàRedeGlobo
são igualmenteassustadoras.Sobrou
paraoMinistérioPúblico, paraaPo-
líciaFederal.Opresidenteque viaja-
va em buscadeparceiroscomerciais
einsinuava algumatentativadepru-
dência em entrevistas desapareceu.
OBrasil viuali oBolsonarodesem-
pre: intempestivoecolérico.
Forammuitos os absurdos ditos.
Masopiorfoiver odesdém, preme-
ditado ou inconsciente, diantedas
expectativas justas de queopresi-
dentesecomportecomo chefede
Estado—enãocomo chefedefamí-
lia que defende sua cria malcriada.
Vivemosodescalabrodobom de-
bate.Quase nada nossurpreende
mais quando se tratadafaltadere-
tidão dosBolsonaros. Afamíliaage


como umacorteemvez de desem-
penharopapelderepresentantes
eleitos. Disputas palacianassubsti-
tuem discussõesvaliosassobre polí-
ticas públicas.Ojornalismo político,
em função dessa dinâmicanefasta,
frequentementesucumbe,easno-
tícias viramrelatosdesegredos de
alcova. Vamos mal,ehápoucoque
valhacomentários além do que já é
ditoonlineeoff-line.
Masaliveraivosa do final de ou-
tubrodemandadenóstodaaaten-
ção. Por incrível que pareça, ofere-
ce sim oportunidade parailuminar
novasdimensõesdorevés donosso
Estado de Direito. Umadelas,pro-
fundamentedesconcertante,resi-
de nofato deopresidente insisten-
tementesereferir ao “casoMariella”.
Opresidenteindignadoreclamou
da imprensa, das instituições,da
oposição,desegmentos insatisfei-
tosdasua baseedos movimentos
sociais.Reiteradasvezesrejeitou
qualquer ilaçãosobresuaconexão
comasexecuções davereadoraMa-

rielleFrancoedomotorista Ander-
sonGomes.Bolsonarotentoucons-
truirumanarrativadesenhadapara
fazerfrenteaobordão trágico que a
esquerda brasileirarepeteeospro-
gressistasdomundo acolhem. Dis-
se querer saber quemmandou ma-
tarMarielle,mas queixou-se de não
saber quem mandou matá-lo —uma
referência aoatentado que sofreu
duranteacampanha eleitoral.Oque
vale notaé:emmuitasdessas passa-
gens, ele sereferiuaMarielleFran-
co como “Mariella”.
Épossível queopresidentesim-
plesmente confundaamiúdeono-
me deMarielleFranco. Étambém
possível que ele deliberadamente
rejeitepronunciarcorretamenteo
nome dela. Ambas as hipótesesre-
velamamesma desgraça:Bolsona-
ro não se dá ao trabalho de dizer o
nomedeMariellecomo se deve,por
negligência ou despeito.
Omundo inteirohoje olha parao
Brasil agoniado.OassassinatodeMa-
rielleélembrado portodos, láecá,
por serailustração mais bem aca-
bada desse Brasilque viola sistema-
ticamenteosdiretos humanoseani-
quila quem os defende. Masopresi-
dentenão se dignaadecorarono-
me deMarielleFranco.
TalvezBolsonaroestejafalando a
verdadeenãofaçapartedoconluio
quenos arrancou MarielleFranco.
Mas nãofaltam provas de suafalta
dezelo,por descaso ou deboche,
comessecaso tãoemblemático.Is-
so jáésuficientemente grave.

OescravismonoBrasil eocolonia-
lismo na África usaram,como estra-
tégia de dominação,fragmentar as
populações negras,tantopor etni-
as elinhagens quantopor categorias
sociais. “Dividir paradominar”era a
regra. Que, emboraverbalizada no
sentidocontrário,ecoou naatuali-
dade brasileiraemsetembroúlti-
mo,quandootitular do Ministério
da Educação afirmou que no Brasil
“nãoexistepovonegro”,esim“bra-
sileiros de peleescura”.
Amodernaclassificação dos afro-
brasileiroscomo “negros” —mesmo
subdivididos em“pretos epardos”—
éumaconquistapolítica eumavan-
çoestatístico:avasta terminologia
antes usada dificultavaomapeamen-
to científicodolugar ocupado pelo
segmentoafronoconjunto da po-
pulação,emprejuízodoatendimen-
to às suas necessidades especificas.
Nosmais de três séculos de es-
cravismo,apresençaafricana no
Brasilfoiamplaeimportante.Até
que, inviabilizadoosistema,oIm-
périooaboliu; não sem antes pro-
mulgar uma lei, em 1850 ,negando
aex-escravizadosodireitoàpos-
se eàpropriedade deterrasealar-
gando portasàimigração decolo-
nos vindos doexterior. Assim,com
umatoabolicionistavazio, desa-
companhado de medidascomple-

mentares emfavordos emancipa-
dos,reforçou-seaexclusão.
Osensocomum negou essarea-
lidade, iludido pelo argumentoda
mestiçagem,comoqualaindase
buscaprovarque no país nãoexis-
te racismo e, sim,casoseventuais
de preconceito. Masamestiçagem,
conformeosaudoso ClóvisMoura,
sociólogoafromestiço, éumfatobi-
ológicoque não serefletenocam-
po politicodademocratização das
oportunidades.
Eadesigualdadesecomprovana
rarapresençadepessoas negrasnas
principais esferas de decisão,por
circunstânciasquase nuncaperce-
bidas em suasrazões, as quais se de-
vemaoracismo estrutural,nascido
comanação,eem cujocontexto a
posição subalterna do indivíduo ne-
groétidacomo natural, normal e
atémesmo inerente às suasorigens.
Em outralinha de pensamentove-
mos que, já no século 20 ,asestru-
turasdominantes desenvolveram
açõestáticas, partindodopressu-
posto de que,comaimigração euro-
peia,amiscigenaçãoda população
iriafatalmente levá-laaum“bran-
queamento”.Alguns cientistasein-
telectuais derenome deram susten-
taçãoaessa ideia que,avalizada por
teses eugênicas, de“aperfeiçoamen-
to”daespécieehigiene,ganhousta-

tusdeideologiaeforma de política
pública.Tantoque, em 1946 ,ode-
creto-lei nº. 7. 967 estabeleceuose-
guinte: “Os imigrantesserão admi-
tidos deconformidadecomaneces-
sidade de preservaredesenvolver o
Brasil nacomposiçãodesua ascen-
dência europeia”. Mas os objetivos
nãoforam alcançados,comocom-
provam as estatísticas.
Observe-se que, em inglêsefran-
cês, respectivamente,ostermos
“nigger”e“négro”são ofensivospor
conotaremescravidão.Entretanto,
na década de 1930 ,era introduzido
na língua francesaovocábulo“né-
gritude”parasignificar:acircuns-
tânciadese pertenceràcoletivida-
dedos africanosedescendentes; e,
mais,aconsciênciadepertencer a
essacoletividadeeaatitudederei-
vindicar-secomotal. Vemdaí aop-
çãodoativismoafro, no Brasil, pelo
qualificativo“negro”, como estraté-
gia de aglutinaçãonalutapela igual-
dade—econtraafalácia da “demo-
craciaracial” brasileira.
Assim, nestemomentoderepeti-
das ameaças aos direitos de cidada-
nia, ascelebrações da Consciência
Negranestemês de novembro, ins-
tituídas por organizações do movi-
mentonegroháquase meio século,
ganhammaiorsignificado.
Esejustificam quando,parafra-
seandoopoetaeestadistaafrica-
no Léopold Senghor,afirmamos a
existênciaearelevância do povo
negro—nãocomoexpressãodera-
cismooucomplexodeinferiorida-
de,mas simcomaintençãode, em
harmoniacomoutrascorrentes de
pensamentoeação,construir um
humanismototalmentehumano,
porqueformado portodas ascon-
tribuições do ideário progressista,
no Brasilenomundo.

Consciêncianegra


Ocaso ‘Mariella’


TeNDêNcIas/DebaTes


folha.com/tendencias [email protected]
os arti gospublicadoscomassinaturanão traduzemaopinião do jornal. Sua publicação obedeceaopropósitodeestimular
odebatedos problemas brasileirosemundiaisederefletiras diversastendências do pensamentocontemporâneo



  • Nei Lopes
    escritorecompositorpopular


  • Manoela Miklos




Doutoraemrelações internacionais, especialistaemdireitos humanosesegurança pública
na américa Latina, ativistafeministaefundadoradocoletivo agoraÉQue São elas


AlexKidd


bolsonarotrata assassinatocom desdém ou deboche


Sensocomum se iludiucomamestiçagem

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