Folha de São Paulo - 14.11.2019

(C. Jardin) #1

aeee


ambiente


Quinta-Feira,14DenovembroDe 2019 B7


  • João PedroPitombo


SalvadorMorador da vila de
Regência, balneário encrava-
do nafozdo rioDocenomu-
nicípiodeLinhares ( 132 km
de Vitória),RobsonBarros da
Rocha, 50 ,mudou os hábitos
na última semana.
Ésurfista, mastemevita-
doatépassar pertodapraia.
Gostadeestar bem informa-
do,mas acompanharonotici-
ário virou umaatividade indi-
gestadesde que manchasde
óleocomeçaramaatingir o
litoral nortedoEspíritoSan-
to na últimasexta-feira( 8 ).
Pudera.Háquatroanos,
Robson viuomar deRegên-
cia ser invadido pelosrejei-
tosdorompimentoda bar-
ragemdoFundão,emMari-
ana (MG),eteveasua vida vi-
rada de ponta-cabeça.
Nestaquarta-feira( 13 ), ele
viuopesadelovoltar sobnova
forma:aviladeRegênciare-
gistrou os primeirosvestígios
óleonas praias, consumando
osegundo desastreambien-
talnaregião em quatroanos.
“Se já não bastassetudo
que passei nos últimos anos,
agoravemessenovodesas-
treambiental. Nãoquero
nem passar pertoporquesei
quevaimefazer muitomal”,
afirmaRobson.
Osentimentoémesmoen-
treosdemaismoradores de
Regência,balneáriocomcer-
cade 6. 000 moradoresco-
nhecido porsuasbelezas na-
turais eter algumas dasme-
lhores praias para aprática
de surfenoBrasil.
Desdeachegada dosrejei-
tosdabarragem daSamarco,
empresacontrolada pelaVa-
le eaanglo-australiana BHP
Billiton,Regência enfrenta
umadebandada deturistas
quecostumavam lotar suas
praias noverão.
RobsonBarros, que tinha
uma lanchoneteeumcam-
ping,conseguiu manter seu
negócio por apenas seis me-
ses após achegadadosrejei-
tos. Sem demanda,fechou
as portaseacumula dívidas
comcontas de águaeener-
gia.Parareaveroprejuízo,
travauma batalha judicial
comaSamarco.
Fábio Gama, 43 ,tem uma
trajetóriasemelhante.Ele era
dono de uma agênciadeeco-
turismo emRegência,mas te-
ve quefechar as portas do seu
negócio hácercadeumano
porfaltadeclientes.
Desde então,Fábioestáde-
sempregadoetrocouamo-


Praia no Espírito Santo atingida por


lama de Mariana (MG) agoratem óleo


viladeregência fica encravada nafozdorio Doceejá tinha perdido turistas após desastrede2 015


çãodos animais ameaçados
deextinção.Atéomomen-
to,porém, não houveregis-
trodetartarugas mortas ou
oleadas naregião.
AlémdeLinhares, háregis-
trodeóleoemoutras duas ci-
dades do litoralnorte do Es-
píritoSanto quetambémso-
freramoimpactodosrejei-
tosdabarragemdeMaria-
naem 2015 .Deacordocom
oIbama (InstitutoBrasileiro
do Meio AmbienteedosRe-
cursosNaturais Renováveis),
foramatingidos pelasman-
chas 15 locais dascidades de
Linhares,ConceiçãodaBarra
eSão Mateus. Aotodo,foram
recolhidos 473 quilos de óleo.
Umcomitêcom entesfede-
rais, estaduaisemunicipais
foicriado hácercade 30 dias
parainstituir umplanopara
remoçãoearmazenamento
do óleo. Vistorias estãosen-
dorealizadasebarreiras de
contençãoforaminstaladas
nosestuáriosdos principais
rios do litoral.
EmSãoMateus,aprefei-
turaergueuumbarramen-
to comareia fechandoafoz
do rio Mariricu paraprote-
geravegetaçãoeafauna do
estuário dosvestígiosdeóleo
que chegaramàpraia.
Desdeachegadadas man-
chas,amaior partedos pes-
cadores, marisqueirosecata-
dores decaranguejosuspen-
deram asatividades.Apes-
caéuma das principaisati-
vidades dasfamílias daregi-
ão,queatuam deforma ar-
tesanalefamiliar.
ApescadoraElianeBalke,
53 ,diz que,comofechamen-
todafozdo rio,partedas
embarcações nãoconsegue
mais acessaromar parapes-
car. Ela diztemer pelo futu-
rodasfamíliasque sobrevi-
vemdapesca.
“Paranós, ainda mais de-
pois detoda aquela lama de
rejeitos,émuitocomplica-
do enfrentarmos mais uma
situação dessas. Estamos vi-
vendo,assim,como um filho
sem pai”,resumeapescadora.
Asmanchas de óleojáatin-
giram 527 praiasem 112 muni-
cípios doNordeste eEspírito
Santododia 30 de agostoaté
odia 12 de novembro.
Oúltimorelatório do Iba-
ma (InstitutoBrasileirodo
MeioAmbiente edosRecur-
sosRenováveis) apontaque
havia,tambématéontem, 22
praias ainda oleadas e 302
comvestígiosesparsos.
Oderramamentodeóleo
já foiresponsávelpela mor-
te de pelo menos 97 animais,
além de outros 37 oleados. O
último animalqueapareceu
mortofoi umatartarugamari-
nha, naterça( 12 ), em Alagoas.
Atéomomento, segundo o
Ibama,foramcontabilizadas
cercade 4. 400 toneladasdere-
síduos de óleoretirados das
praias.Acontalevaemconsi-
deração areia, lonaseoutros
materiais usadosnacoleta.
Com uoL

Brasil sofrerámais com dengueepoluição no futuro



  • PhillippeWatanabe


SãoPauloUma criançanas-
cida hoje no Brasil provavel-
menteterádificuldade para
respirar duranteseu cresci-
mentoesua vida.Também
enfrentarámosquitos trans-
missores de doenças,como
adengue,eeventosextre-
mos,como queimadas,se-
caseinundações,emmai-
ores quantidades.
Esses são alguns dos pro-
blemas de saúde associados
às mudanças climáticas apre-
sentadosnorelatório Lancet
Countdown:TrackingPro-
gress on Health and Clima-
teChange(em tradução li-
vre,“A companhando osPro-
gressosemSaúdeeMudan-
çasClimáticas”),lançadona
noitedestaquarta-feira( 13 ).
Segundoodocumento, a
vida detodas as crianças nas-
cidasapartir de agorase-
ráprofundamenteafetada
pelasmudançasclimáticas.
NoBrasil,apoluiçãodoaré
um dos pontos que maistrará


problemas paraascrianças de
hojeedeamanhã porcausa
do material particulado,pro-
venientedequeimadas(que
tiveram aumento significati-
vonesteano), queima decar-
vãoparaprodução de energia
eveículos de transporte.
Esse tipodepoluiçãoestá
associadoapeso baixoem
recém-nascidos, menor fun-
çãorespiratória em crianças
emais hospitalizações.
Só em 2016 ,estima-se que a
poluição do ar levoua 24 mil
mortesprematurasnoBrasil.
Em uma horadeexposição
ao trânsitodeSãoPaulo,apo-
pulação“fuma”cercade cin-
cocigarros,comoapontam
as pesquisasfeitas pelaequi-
pe dePauloSaldiva, diretor
doIEA (InstitutodeEstudos
Avançados), na USP,eum dos
coautores dorelatório.
Para piorar,omonitoramen-
toda poluiçãoédeficitário
no país. Levantamentodes-
te ano da ONG InstitutoSa-
údeeSustentabilidade mos-
trou que mais de 90 %das es-

tações de monitoramentose
concentram no Sudeste.
Outrapreocupaçãoquan-
to ao Brasiléocrescimento
do uso decarvão.Ouso des-
se tipodefontedeenergiano
país triplicou nos últimos 40
anos. Emcontrapartida,épe-
quenaaparticipação desse ti-
po determelétricanamatriz
energéticanacional.
Ofuturotambémserámar-
cado por um aumentonas do-
enças transmitidas por mos-
quitos, segundoorelatório.
Adengue, porexemplo, so-
freforteinfluência de chu-
vas, temperaturaeurbani-
zação.Desde 1950 ,acapaci-
dade de transmissão de den-
gueaumentou em 5 %parao
Aedesaegypti.
Mundialmente, 9 dos 10
anosmais propícios para a
transmissão da dengue ocor-
reramdoano 2000 paracá.
Também nãofaltarãoeven-
tosclimáticosextremos.No
Brasil, os incêndios florestais
afetaram 1 , 6 milhão de pesso-
as desde 2001 / 2004 ,diz ore-

latório.Até agostodeste ano,
oBrasil teve seu maior núme-
ro de queimadas desde 2010.
Uma dasrecomendações
dorelatório do Lancet, inclu-
sive, dizrespeitoàsflorestas
brasileiras.Odocumentoori-
entaque deve se reafirmar o
compromissocomodesma-
tamento ilegalzeroaté 2030 ,
aliadoareflorestamento ere-
duçãode queimadas.
Saldivadiz que as cidades
brasileiras, comsuasvariabi-
lidadesclimáticasextremas,
servemcomo um trágicola-
boratório para entenderopa-
peldas mudanças climáticas
na saúdedapopulação.
Ele citaoexemplo deSão
Paulo.Emdeterminadafatia
dos dias mais quentesemais
frios,amortalidade aumenta
em 50 %,commortesrelacio-
nadas principalmenteaAVCs
(acidente vascularcerebral),
pneumoniaseinfartos.
Há ainda as diferençasre-
gionais, quetambém impac-
tamnas formasdemortalida-
de. “Morre-se decalor nazona

lesteedefrio nazona sul”,diz
oespecialistadoIEA.
Mayara Floss, uma das au-
torasdorelatório Lancet e
médicaresidentedemedi-
cina defamíliaecomunida-
de, diz queocenário negati-
voapontado pelos dados de-
veservir de alertaparaato-
mada de ação,comoamanu-
tençãoeaceleração doscom-
promissos climáticos tratados
no Acordo deParis. “Nós esta-
mos na janela [temporal] em
queépossível agir”,diz Floss.
Saldivadiz quecolocar a
saúdecomo um pontocen-
tral na discussão climática
pode ajudaracombatera
“ignorância organizada,em
partefrutodeinteresseseco-
nômicos de grupos afetados
por práticas sustentáveis”.
Elecomparaasituaçãocom
aindústria do cigarro. “Ela sa-
bia queoproduto delafazia
mal, mas nuncapensouem
parar.Aautorregulaçãoéim-
possível.Odocumento aper-
ta umatecla SAP para colocar
ciência no assunto.”

Desmatamento na


Amazôniacresce


5% em outubro


SãoPauloOdesmatamen-
to na Amazônia emoutu-
brocresceu 5 %emrelação
ao mesmo mês de 2018 ,
segundo dadosdosiste-
maDeter, do Inpe (Insti-
tutoNacionaldePesqui-
sas Espaciais),que dispa-
ra alertas de desmate para
orientar ações do Ibama.
Osistema nãoserve para
medircomprecisãoades-
truição da mata,mas po-
de ser usado paraobser-
vartendências.
Os últimos meses tiveram
aumentos no desmateem
comparaçãoaanos anteri-
ores. Emrelação a 2018 ,ju-
nhoteve aumento de 90 %,
julho,de 278 %; agosto,de
222 %,esetembro, de 96 %.
Em julho,ogovernoJair
Bolsonaro reagiuanotíci-
as de aumentododesma-
te questionando os dados.
Em agosto, oministroMar-
cosPontes (Ciência)exone-
rouoentão diretor do Inpe,
Ricardo Galvão.PW

radia emRegência por uma
casa na sede da cidade de
Linhares.“Agenteficamui-
to triste.Parece atéque esse
óleoveioparaselaranossa
tragédia”, afirma.
Naavaliaçãodosecretário
de Meio AmbientedeLinha-
res, FabricioBorghi,achega-
da do óleonas praiasrepre-
sentaumnovobaque paraa
economia da cidade, quetem

oturismocomo uma de suas
principaisfontes derenda.
“Estátodo mundo muito
desgastadoeapreensivocom
achegada desse óleo. Émais
uma tragédia paraanossa ci-
dade”,lamenta.
Desdeachegada do óleo,
quetambém afetouolitoral
dos nove estados do nordes-
te,prefeituraeExércitotêm
atuado na limpeza das prai-

as, mas encontram obstácu-
loscomoagrandeextensão
do litoral de Linhares, que
temcerca de 80 quilômetros
epraias isoladas, além defor-
teschuvas.
Outrapreocupaçãosão as
tartarugas marinhas: nes-
tasemana,oóleochegou à
praia Pontal do Ipiranga,on-
de funcionauma base doPro-
jetoTamardedicadoàprote-

ES
MG

BA

RJ

Regência
vitória

200 km

Acima,vestígios de óleo chegam na praia deRegência, no Espírito Santo;
abaixo, apraia atingida pelosrejeitos dorompimentodabarragem doFundão,emMariana (MG), em 2015

PrefeituradeLinhares/Divulgação

Fabio Braga- 24 .nov. 15 /Folhapress
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