Folha de São Paulo - 14.11.2019

(C. Jardin) #1

aeee


ilustrada


C4 Quinta-Feira,14DenovembroDe2 019


Opereta traduzidaquer popularizarMunicipal


Dirigida por miguelFalabellaecantadaemportuguês,‘aviúva alegre’busca tirar imagemelitista de teatrodeSP



  • Nelson de Sá


SãoPauloNãoébemaestreia
de MiguelFalabella em ópe-
ras. Opopularator, autor e
diretor de musicaisetelevi-
sãoesteveemvárias delas,
no início dacarreira.
JovemalunodeSérgioBrit-
to,então diretor do Municipal
doRio,foi levado por elepa-
ra fazerfiguraçãoem“Turan-
dot”,entreoutras. “Euvi[aso-
prano búlgara] Ghena Dimi-
trovacantando aqui,assim
[a meiometro], eufazendo
oguarda do palácio chinês”,
lembra, rindo. Hojeédofã-
clube da sul-coreana SumiJo,
quecorreu paraver emParis.
Ele aprecia ópera—gosto
que dizterherdado do“avô
Falabella”eseusdiscos— e
não necessariamenteope-
reta,gêneromais leve,uma


dasfontes do musical.
Mas ao serconvidado
pelodiretor do Municipal
deSãoPaulo,otambémco-
medianteHugoPossolo,pa-
ra ajudararomperaimagem
considerada aindaelitista
doteatro,Falabella sugeriu
dirigiraopereta“AViúvaAle-
gre”,deFranz Lehár.
“Como eraumacoisa de po-
pularizar,defazer as pessoas
perderemomedodoMunici-
pal,‘ah, nãotenhoroupa para
ir’, eufalei da‘Viúva’,quetem
uma das músicas mais lindas
eaomesmotempo mantém
asua origem, dacomédia de
bulevar”,explica.
Nãoestavaprevisto, mas
além da direçãocênicaFala-
bella acabou cuidandotam-
bém da tradução,inclusive
das letras,como partedoes-
forçodeaproximaraobrado

público. Possolo argumenta
que “em portuguêstem um
humor mais vivo, paraalém da
óperamontadacomlegendas,
que nem semprepermitem
queacomédia pulsetanto”.
Também partedesse esfor-
ço,atemporadaterá duasré-
citas, nos próximos dias 17 e
24 ,com preçoúnicodeR$ 20
paratodos os setores—even-
daexclusivanabilheteria, no
dia da apresentação.
Oregenteediretor musical é
oitaliano AlessandroSangior-
gi, há três décadastrabalhan-
docomópera emRoma,Bel-
grado,Tóquio e, maisrecen-
temente, Curitiba.Sobre“Vi-
úva”,diz que, “pela riquíssima
invenção,abeleza das melo-
dias,aprópria orquestração,
ela acaboufazendo partedos
repertórios dos grandestea-
tros do mundo inteiro”.

Depois de meses de traba-
lho emconjunto, diz que “o
Miguelérealmenteoeloque
faltava” para juntaraóperaao
teatro.“Apartedoteatrofaz
muita falta[àópera], não só no
Brasil, mas no mundo inteiro.”
Falabella diz queomaior
apelo popular da opereta está
em sua própria trama.Aolon-
gode trêsfestas emParis, em
1905 ,oembaixador de Ponte-
vedro eoutrostentamevitar
que uma jovemebela viúva,
Hannah, secase comalguém
que não sejatambém do pe-
quenoreino,que depende do
dinheiroque elaherdou.
“Naverdade,éoBaile da
Ilha Fiscal naEuropa”, diz
Falabella, lembrandooexu-
beranteúltimo baile do Im-
pério,noBrasil .“AEuropa
queelesconhecemvai ter-
minar daliapouco”,naPri-

meiraGuerraMundial.
Pensando em “comofazer
uma‘Viúva’ que já nãotenha
sidofeita”, ou seja, menosre-
alistaesemrecorrer às ima-
genscostumeiras da belle
époque, elechegouàexpo-
siçãofauvistade 1905 .Daí o
cenário de 50 mil flores,com
paletadecores queéumaex-
plosão, na descrição do dire-
tor. Isso visaaretrataraten-
são por trás dacomédia.
“É violenta,capitalista.
Quem mandaéaviúva, quem
temodinheiroéela. ‘Quan-
topesavaaqueleteuvelho
efalecido marido?’ Ela diz,
‘ 20 bilhões’.Imagina isso em
1905 ”,diz sobreoano em que
aoperetaestreou, em Viena.
Falabella sublinha quecau-
sou escândalo,“pelo quecon-
sideravam lassidão moral,
porquetodo mundo trepa

comtodomundo”. Em sua
tradução,ele usou paraa
personagemValenciana um
verso que tirou do noticiário
recentenoBrasil: “Sou bela,
recatadaedolar”.
Mas elenãovêelo direto
comrealidades políticasem
“Viúva”,dizendo aindaque
“não se sustentava”,por exem-
plo,atentativarecentedodi-
retorfranco-argentinoJérôme
Savary detornar Pontevedro
um estadototalitário.
“ElaéliteralmenteoBaile
da Ilha Fiscal. Aquelagente
louca,valsando,aquele mun-
do se preparando paraaca-
bar.Atrás,tudo estáumcaos.”

AViúva Alegre
theatromunicipaldeSão Paulo,pça.
ramos deazevedo, s/ nº,república.
ter. asáb., às 20h.Dom.(sessões
populares), às 18h.estreia nesta
quinta(14).até24/11. r$20 ar$1 20

Musical evita episódios de repressãoaogrupo NovosBaianos



  • ManuelaTecchio


SãoPauloEm pé naescadaria
doteatroAntunes Filho,no
Sesc Vila Mariana, Carlinhos
Brownesfregaasmãosees-
preme os lábios, empolgado
comoquevê.Dois de seusfi-
lhos estão no palcodurante
oanimado ensaio de “Novos
Baianos”,musical de Lucio
MauroFilhoqueremontaa
trajetória da banda homôni-
ma, umadasmaisinfluentes
da músicabrasileira.
Diferentedoformatotradici-
onalerígido dos musicais ame-
ricanos,oespetáculo dirigido
porOtavio Mullertranscorre
de um jeitosolto, comdiver-
sas interaçõescomopúblico
eenriquecido pelo improviso.
Diz MauroFilho queaideia
eraessa: “Comtodoorespeito
àBroadway,agentetinha que
fazerummusical brasileiro”.
Coletividade, amoràmú-
sicaeaofuteboleaforma
poucotradicional de levara
vida queogrupo tinhasão
aspectosque procuroures-
saltar.“[OsNovosBaianos]
foramviver juntos, criaram
seusfilhos ao mesmotem-
po,comomesmo dinheiro,


comamesma estrutura, eles
sãoaprova de queacoletivi-
dade funciona”,diz.
Sobreaperseguição enfren-
tada pela banda ao longoda
carreira,como quandofo-
ramdetidos naPrisão da Mi-
sericórdia, emSalvador,Mau-
ro Filhocontaquetentoure-
trataraquestãosem discur-
sos inflamados.
“Teveumcuidado paranão
ficar panfletário,até porque
osNovosBaianosvenceram
arepressão pelo drible,ojei-
todeles eraenfrentarede-
bochar,com jogodecintura
ebom humor.Umprojetoco-
mo essenomomento em que
agente estávivendopode ser
armadilha paraapieguice, pa-
raodiscurso,eagentenão
precisa do discurso,agente
precisa do bom senso”,afirma.
Herdeiros diretos do lega-
do da banda,PedroBaby,fi-
lho de PepeuGomeseBaby
Consuelo, eDaviMoraes,fi-
lho de Moraes Moreira,assi-
namadireção musical do es-
petáculo,noqualtodaatrilha
étocada ao vivo, pelo elenco.
Emocionados, elescontam
queapeçaconsegue,dealgu-
ma maneira,reproduziropro-

cesso criativodabanda, indis-
sociáveldeseuestilo de vida.
“Comoéque eraoensaio?‘A
vida eraoensaio’,meu paifa-
lava”, lembraMoraes.
Desafiador,osdoiscon-
tam,foimanterafidelida-
de aos arranjos originais
—com poucos instrumen-
tos— norepertórioem
que predominamfaixas de
“A cabou Chorare”( 1972 )e
“NovosBaianosF. C.”( 1973 ),
lançadosnaditadura.
Foiprecisonão sóatores,
comotambém bons músicos.
MoraeseBabyfilhos tiveram
forteinfluência—esaíram
satisfeitos— na escolhados
poucomais de dez jovens,to-
dos nafaixa dos 20 anos,co-
ordenadosporJohayneHil-
defonso,preparador que adi-
cionou trejeitosetiques dos
artistas ao elenco, que anda
sempreembando.
Esse espíritocomunitário
estáemtudo ali. Especialmen-
te nocenárioedofigurino,as-
sinadospelocoletivodeartis-
tasplásticoscariocas Opaviva-
rá!. Com 15 anosde estrada,
ogrupo trouxequasetodas
as coresconhecidas peloho-
mem para opalco. Estãonas

redes,cadeirasdepraia,más-
carasdeanimaiseaté paran-
golés.Nãosatisfeitos, monta-
ramtambémumdiscovoador.
Formadopor BabyConsue-
lo,Moraes Moreira, Luiz Gal-
vão, PaulinhoBoca de Cantor
ePepeuGomes, entrealguns
outros integrantes que chega-
ramaparticipar brevemente
dafesta,ogrupo aindanão ha-
via vistonada do quecomeçou
aser apresentado no dia 8.

crítica
NovosBaianos
*****
texto: Lucio mauroFilho .Direç ão:
otavio muller.Direção musical:
Davi moraes ePedrobaby.Com:
barbaraFerr,miguelFreitaseravel
andrade. 14 anos. Sesc vila mariana,
r. Pelotas, 141. Qui.asáb., às 21h.
Dom., às18h.até15/12.r$50


  • Nelson de Sá


Éumretratoprecioso,encan-
tador,dogrupo encabeçado
por Luiz Galvão, quetomou o
país quase cinco décadasatrás,
pós-tropicália, nomomento
maisrepressivodaditadura.
Aalegrianasmais de du-
as dezenasdecanções,com

versos hoje não menos signi-
ficativos,retornacommúsi-
cos-cantores-atoresdeextre-
ma qualificação.Eaomesmo
tempotãojovenseatirados
quantosemostravam então
Galvão,Moraes Moreira,Pau-
linhoBocade Cantor, Baby
ConsueloePepeuGomes.
Eles são interpretadosres-
pectivamente por RavelAn-
drade,Felipe El, GustavoPe-
reira,BarbaraFerreFilipe
Pascual,comprimorvocal
einstrumental que assom-
bra,aexemplodoque acon-
teciacomosNovosBaianos
dos anos 1970 ,mas também
comatuação firme.
Nãosóeles, mas Clara Bu-
arque, netadeChico,devoz
epresença. Ouobateristae
muitomais MiguelFreitas. E
MarianaJascalevich.
Como um timedefutebol,
imagem queopróprio gru-
po adotava, formamumco-
roem queacoesãoexplosi-
vadoconjuntopermiteque
cada um saia, em algum mo-
mento, paraabocadecena,
oprotagonismo.
Adireção deOtavio Muller,
ator deorigem,émuitobem-
sucedida no preparodos ato-

resenão-atoresparaacaracte-
rização dospersonagensepa-
ra aintegraçãoque alcançam.
Mas há problemas no arco
dramáticomontado por ele
eLucioMauroFilho,que pa-
recefugir das ameaçasmai-
ores deconflito. Abordaco-
mo piadaeacaba virtual-
menteapagando os episó-
dios derepressão porque
passouogrupo.
Demodoatémais nega-
tivo,estruturalmente,evi-
ta dar ao espetáculoofinal
que, em sua trajetória, osNo-
vosBaianosenfrentaram. A
peçanãotermina.
Paracobriroburaco, o
elencosai em blococarna-
valescopelo meio da plateia,
quetentalevarcom ele.Na
apresentação vista, um sába-
do,opúblicopaulistanore-
sistiu, não seconvenceude
todo,apesar detercantado
muitasdas músicas, grandes
hits de meioséculoatrás.
Ressalve-se que os proble-
mas são pontuais.Aolongo
da apresentação,otextode
MauroFilho engaja,não se li-
mitaauma sequênciadequa-
droscômicos ou musicais.
Easletras de Galvão sereve-
lam não só engenhosas, mas
inusitadamentegraves, por
trás da aparenteleveza,co-
mo no melhorteatro musical.

Ensaioabertodaopereta‘AViúva Alegre’,noTheatroMunicipal de São Paulo ZéCarlosBarretta/Folhapress

Free download pdf