Folha de São Paulo - 21.10.2019

(Brent) #1

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TJ-AM mantémvoto de magistrado quebeneficiou sobrinhos



  • Rogério Gentile


SãoPauloUm juiz podejulgar
um processo noqualosseus
sobrinhos são advogadosde
umadas partes?
Os desembargadores doTri-
bunal deJustiçadoAmazonas
decidiramquesim,épossível,
ao analisarem no mês passa-
do umcaso que questionava a
atuação de umcolegadacorte.
Por unanimidade, 21 magis-
tradosreferendaramacon-
duta do desembargadorJo-
ãoJesusSimões, que partici-
pou em 2013 de um julgamen-
tono qualaempresa Sumi-
tomofoicondenadaapagar
cercadeR$ 11 milhões para a
SCF Securitizadora, emvalo-
resatualizados.
Odesembargadorétio dos
advogadosJeanSimões Men-
donçaeJonnySimões Men-
donça, queforamcontrata-


dos seis meses antes do jul-
gamentopelaSCF.
OTJmanteveadecisãocom
base no argumentodeque a
Sumitomo demorou parare-
clamar da situação.Aconde-
nação ocorreu em julhode
2013 ,eopedido de suspei-
çãofoi feitoapenas em outu-
brode 2018.
“Emque peseograudepa-
rentesco, amanifestação nos
autos nãosedeu emtempo
hábil”, escreveuodesembar-
gadorYedo Oliveira, em seu
relatório.“Aalegação intem-
pestivade impedimentofoi
uma estratégia, masopro-
cesso não pode ser um meio
difusordessetipo de prática.”
ASumitomo,empresa fun-
dada hácercade 400 anos no
Japão,diz quefezopedido de
anulação no diaútilsubse-
quente“àdataemquetomou
conhecimentodaascendência

comum entreodesembarga-
doreamãedos advogados”.
CitandooCódigo deProces-
so CivileoCódigodeÉticada
Magistratura,aempresa afir-
matambém que “competia
ao desembargadorreconhe-
cerseu impedimentolegal e
ético”,declaração quefoifeita
pelo próprio juiz Simões em
outrosprocessosnos quais
os seus sobrinhosatuaram.
Oartigo 144 do Códigode
Processo Civil, de 2015 ,pos-
terioràdecisão,afirma que
évedado ao juizexercersuas
funções em ação na qual haja
atuação “deumparente,con-
sanguíneoouafim, em linha
reta oucolateral, atéotercei-
ro grau, inclusive”.
Já artigo 8 ºdoCódigodeÉti-
cadaMagistratura, de 2008 ,
anterioràdecisão, determina
queo“magistradoimparcial”
éaquele que mantém ao longo

detodooprocesso “uma dis-
tânciaequivalentedas partes.”
Em sua defesa,odesembar-
gador declarouquejulgou a
ação sem saber que os seusso-
brinhosrepresentavam uma
das partes. “É humanamen-
te impossível aos julgadores
conhecercadafolhaetodos
os documentos juntados aos
processos”,afirmou. “São qua-
se 100 processos por semana.”
Ele citouofatodeque na
petição inicial nãoconstavao
nome dos parentes, que entra-
ramnoprocessoapenas pos-
teriormente.“A fora osubsta-
belecimentojuntadoàfolha
110 ,não havianosautos ne-
nhumindício da participação
dos meus sobrinhos.”
Dissetambém quefoiape-
nasum dostrêsvotantes no
julgamento,decidido por una-
nimidade,eque, sefosseore-
latordocaso,provavelmente

teria se dadocontadasitua-
ção. Consideraainda queaele
cabia “fazer uma análise cri-
teriosados fundamentoseda
conclusão dorelator”.
Aaçãonaqualaempresa
japonesafoi condenadaapa-
garcerca de R$ 11 milhõesfa-
ziareferênciaatrêscontra-
tosdecompraevendacele-
brados em 2000 por antigos
sóciosdaSumitomo.
Em primeirainstância, a
empresa japonesa havia si-
do vitoriosa.Osdesembarga-
dores, no entanto, comovo-
tode Simões,consideraram
que deveriaresponder pela
dívida.ASumitomo nãofoi,
na ocasião,intimada e, por-
tanto, não pôde apresentar
suadefesaàJustiça.
ASCF afirmou queopedido
de anulação do julgamentofei-
to pela suaadversárianadis-
putafoi pautadoem“má-fé”

eque não passou de um“ar-
dil” para, cincoanos depois,
evitaraexecuçãodadívida.
Disse que,àépoca, vigorava
oCódigodeProcesso Civil de
1973 ,que impediaaatuação
de um juiz apenas em situa-
ções de parentescodeaté 2 º
grau.“A Sumitomonão quer
cumprircomsua obrigação
ecriou estepedido difama-
tório”,afirmou.
Aempresa japonesa, que
atua em setores diversifica-
doscomoinfraestrutura, lo-
gística,agrobusiness, entre
outros, diz queajurisprudên-
cia da época,tantoados tri-
bunais superiores,comoado
próprio TJ-AM, jáexpandia o
entendimentoparaparentes-
cosdeterceirograu.
Comoaempresapretende
recorrer,caberáaoSTJ (Supe-
riorTribunaldeJustiça)deci-
diracontrovérsia.

$
Fiéis nacerimônia
realizada em Salvador

Santadulce
doSpobreS



  • João PedroPitombo


SalvadorOtermômetromar-
cava 32 grauseosol castiga-
vaas arquibancadas daAre-
naFonteNova,emSalvador,
no início datardedestedo-
mingo( 20 ).Opúblicosepro-
tegiacomo podia: lençosna
cabeça,lequeseaté folhetos
de papel.Mesmo assim,osu-
or teimava em escorrer pelos
rostos dos fiéis.
Eles chegaramcedo: dos
bairrosda periferia deSalva-
dor,decidades do interior e
tambémdeoutros estados.
Formaram um aglomerado de
49 milpessoasque enfrenta-
ramuma maratona de oitoho-
rasparacelebraracanoniza-
çãodeIrmã Dulce( 1914 - 1992 ),
agoraSantaDulce dos Pobres.
Afreirabaianafoicanoniza-
dano último domingo( 13 ), no
Vaticano,emcerimôniachefi-
adapelo papaFrancisco.Irmã
Dulcetevedoismilagresreco-
nhecidos pela IgrejaCatólica
esetornouaprimeirasanta
nascidanoBrasil.
EmSalvador,cadaumtinha
asua história. MariceliaBar-
bosa, 63 ,enfrentou 586 quilô-
metros de estrada de Xique-Xi-
que, nortedaBahia,atéaca-
pital.Deuseu motivo: “Mo-


reiemSalvador na infância e
chegueiaencontrarcomela
algumasvezes. Sempreadmi-
reiseu trabalho social”.
Sheila Lima, 54 ,também diz
terconhecido IrmãDulce: nos
anos 1980 ,quando seformou
em enfermagem em Aracaju,
tomou um ônibusefoi aSal-
vadorconhecerohospital da
freira.“Tiveoprazer de abra-
çá-la.Para mim, ela já erauma
santanaquela época.”
DeCruz dasAlmas, nore-
côncavobaiano,chegouEd-
sonSantos, 46 .Nãoconhe-
ceuIrmã Dulce, masnem pre-
cisava,diz: “Todooamor que
Irmã Dulcerepresentaestá
aqui. Olha só essa multidão”.
Eera mesmouma multidão.
Os primeirosromeiros chega-
ramàs 4 h. Às 7 h, uma peque-
na fila já seformava na porta
do estádio.Quando os portões
foramabertos, às 12 h, filas de
centenasde metros tomavam
os arredores daFonteNova.
Traziam de umtudo:terços
nas mãos,cartazes emhome-
nagemàfreiraeaté imagens
emgesso de Irmã Dulcecom
um metrodealtura. Quaseto-
dosvestiamcamisascomore-
trato da novasanta.
Nafestadopovo, políticos,
queforamaos borbotões ao
Vaticano,eramraros.Entreas
principais autoridades, mar-
carampresençaogovernador

RuiCosta(PT)eoprefeitode
Salvador,ACMNeto (DEM).
Ogovernadorcelebrouatra-
jetória de Irmã Dulceeocres-
cimentodadevoçãoàsanta
paraalémdas fronteirasda
Bahia.Feztroça aocontar um
caso de “graçaalcançada”que
recebeu nocelular nestase-
mana. “Eraumáudio de um
locutordefutebol de Alagoas
já chamando pela santa[Dul-
ce]. EemseguidaoCSAfezum
gol”,disse, aos risos.
Neto destacouamissacomo
um momentohistórico, lem-
brouareligiosidade do povo
baianoepropagandeouuma
obradesuagestão: umcorre-
dordafé entreasObras Irmã
DulceeaBasílicadoSenhor
doBonfim,naCidadeBaixa.
Antes da missa,foiencena-
do no palcoomusical “Impé-
rio de Amor”, comaparticipa-
çãode 700 atores, sendo 482
criançaseadolescentes. Lá es-
tavamosprincipais símbolos
da trajetória de Irmã Dulce:o
atendimento aos maispobres,
ogalinheiroque virou hospital
eaimagemdeAntônio,santo
de devoçãodafreira.
Empolgado,opúblico
aplaudiu ao final decadaato
ecantou juntonas apresenta-
ções doscantores baianos
Margareth MenezeseSaulo
Fernandesedosanfoneiro
cearenseWaldonys.

Agorasanta, Irmã Dulce atrai 49 mil


aespetáculo de 8horas em Salvador


Cerimônia quecomemoroucanonização da freirabaianafoirealizadanoestádio daFonteNova


$
QuemfoiIrmãDulce

BiografiaMaria Ritade
Sousa BritoLopes Pontes,
conhecidacomo Irmã
Dulce, nasceu em 1914, em
Salvador.Responsável por
construir uma das maiores
obras de assistência social
gratuitadopaís, morreu
em 1992,aos 77 anos

MilagresIrmã Dulceteve
dois milagresreconhecidos
peloVaticano.Em2001,
orações em seu nometeriam
feitocessar uma hemorragia
deuma mulher que padeceu
durante18horas após dar
àluz. Em 2014,teriamfeito
um homem voltaraenxergar
após 14 anos decegueira

CanonizaçãoAfreira
foicanonizada no dia 13
pelo papaFrancisco, em
cerimônianoVaticano.
Com isso,setornou Santa
Dulcedos Pobres

tarde. Às 16 h 45 ,JoséMaurício
Moreira,cujomilagre recebi-
doreferendouacanonização
da freira, subiu ao palcocarre-
gando nas mãos umarelíquia
deSantaDulce dosPobres.
Cegopor 14 anos,ele recu-
perouavisão em 2014 após
colocar uma imagem de Irmã
Dulcesob os olhosesuplicar
paraquecessassem as dores
que sentia.Apartir do dia se-
guinte,foiprogressivamente
voltandoaenxergar. Os médi-
cosnão encontraramexplica-
çãoparaacura.
Amissafoicelebrada pelo
cardeal arcebispo deSalvador
eprimaz do Brasil, dom Muri-
lo Krieger,quedestacouatra-
jetória que levouIrmãDulce à
santidade.“A obraque ela dei-
xouéuma obraviva, ondeca-
da pessoaéuma pedrinha no
mosaicodeamor queforma
orostodeJesus Cristo”.
Nasarquibancadas,opúbli-
co não arrefeceu. Lenços mais
umavezaoalto, capricharam
noscantos litúrgicos em ho-
menagemaIrmã Dulce:“Glo-
riaati, primeirasanta”.
Impulsionadospelafé,
foramosprotagonistas da
primeiramissa em solo bra-
sileiroparaaprimeirasanta
do Brasil. Umafestadopovo
ecomopovo, talqualavida
da freiraque setornouSanta
Dulcedos Pobres.

Mas os pulmõesforamcasti-
gados mesmo quandoopadre
Antônio Mariasurgiu no pal-
co cantando uma músicade,
sempreele,RobertoCarlos.
Lenços brancos nasmãos, os
fiéissaudaramNossa Senhora.
Oato começounofinal da


Todooamor
que Irmã Dulce
representaestá
aqui. Olha só
essa multidão

Edson Santos, 46
Morador de Cruz das Almas,
no recôncavo baiano


Tiveoprazer
de abraçá-la.
Para mim, ela já
erauma santa
naquela época

SheilaLima, 54
Enfermeira,conheceu
Irmã Dulcenos anos 1980


Morei emSalvador
na infância e
chegueiaencontrar
comela algumas
vezes. Sempre
admirei seu
trabalho social

Maricelia Barbosa, 63
MoradoradeXique-Xique,
viajou 586 km paraacerimônia

poder


SEguNDA-FEIrA,21DEOutubrODE 2019 A

Imagem de Irmã Dulceéexibidadurantecerimônia decomemoração da canonização da freirabaiana, em Salvador FotosEduardo Anizelli/Folhapress

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