- AnnaVirginiaBalloussier
RiodeJaneiRoQuetalaFer-
nanda Montenegro?Uma “ca-
nalha”que merece“absoluto
desprezo”,segundoRoberto
Alvim, dramaturgoindicado
pelogovernoJair Bolsonaro
paradirigiroCentrodeAr-
tesCênicas daFunarte.
Experimentefazer amesma
perguntaparaCaíque Oliveira,
41 ,eoconceitodaatriz nona-
genária,aquemele se diz eter-
namentegrato,vai às alturas.
“Fernanda chorou muito
comagenteefalou que ficou
surpresa emvertantos artistas
evangélicoscomperguntastão
interessantes sobreNelsonRo-
drigues. Ela dissenafrentede
todo mundo que aliela volta-
va ater aesperançanoBrasil.”
EmboraAlvimpossaaté
discordar de Oliveirasobre
Fernandona, parecegostar
do trabalho dele. Indicou a
companhia fundada pelo di-
retorpaulistaem 2000 ,aJeo-
váNissi, paraocuparoGlau-
ceRocha,teatrocariocasob
guardadaFunarte.
Aclasse artísticadigeriu mal
aideia, vinda na esteirados
ataques de AlvimaFernan-
da. Houvequemprotestas-
se na portadoGlauceRocha:
“Teatronãoéigreja”.
Isso porqueaJeováNissi
(Deusénossa bandeira, em
hebraico) temumcorpoevan-
gélico, eAlvim deixou claroa
intenção de transformaropal-
co destinadoàcompanhiano
“primeiroteatrodopaís dedi-
cado ao públicocristão”.
Eis que, de umahorapara
outra, Oliveiraseviu no meio
do furdunçoideológicono
qualoBrasilestámetido.
“Estou perdidinho,fia, não
seioquefazer”,ele diz àFo-
lha,portelefone. “Derepen-
te,aNissi estáemtodos os jor-
nais. Artistas dizem que, se en-
trarmos,vai terresistência na
porta.Agentenão quer isso.”
Odesabafo por mensagem
detextoveio na sequência.
“Depois de estarmosconsoli-
dadoscomtanta credibilida-
de, pareceque nostornamos
uns lunáticos querendo trans-
formar umteatro em igreja :(”
Arelaçãocomopovodas ar-
tessempre foiboa, diz Olivei-
ra.Fernandona, porexemplo,
parabenizou-os apósdar um
workshopnasededacompa-
nhia,emIbiúna (SP),hádois
anos: “É uma alegria.Nãoétodo
dia queagente vê isso no Brasil”.
“A chei incrível isso aqui”,dis-
se DeniseFraga.Marisa Orth,
também emdepoimento de
vídeo, aplaudiuo“ambiente
super sério,onde sefaztea-
trodemaneiraresponsável”,
eavaliou: “Sentiumcheirode
qualidade no ar”.
Aconsagraçãoveio em se-
tembro, quandoaNissibateu
as equipes de“A nnie”e“Billy
Elliot” ao levaroprêmio Bibi
FerreiranacategoriaRevela-
çãoemMusicais. Oelencofoi
reconhecido por “RuaAzu-
sa”, musical que encheu ses-
sões emSãoPauloeestáem
cartazaté 3 de novembrono
Teatro João Caetano,noRio.
OportalgospelPlenoNews
exaltouavitóriaetambém a
presençadeClaudia Raia na
plateia paulista, paraassistir
ao queositeresumecomo“a
história de um grandeaviva-
mento que aconteceu nos Es-
tados Unidos,em 1906 ,duran-
te asegregaçãoracial”.Aviva-
mentoéaexperiênciareligi-
osacom manifestaçõescole-
tivas defé,quepodeminclu-
ir crençanacuraemmassa.
Oepisódio,real,étidocomo
umdos propulsoresdomovi-
mentopentecostal.
Foraregistros bissextos,
tantos louros não sereverte-
ramemespaçonamídia não
religiosa,reclamaofundador
dacompanhia. “Poxa,apeça
ficou oitomesesemcartaz,
lotandotodososdias,enão
saía nem na partequefala da
agenda culturaldacidade. Por
que ninguém divulga?Sinto
que há preconceito.”
Alvim afirmaàreportagem
quevê discriminaçãoreligiosa
nas críticasàNissiequeaes-
colheuporque“otrabalho ar-
tísticodelestemnotável qua-
lidadeeexcelência estética”.
Aida do grupo paraoGlau-
ceRocha ainda depende de
acertos jurídicos, já quease-
leçãodispensouumedital —
porterem, no entender daFu-
narte, uma espécie de “notó-
rio saber” paraafunção.
Oprocessoainda estápen-
dente(“sem previsão no mo-
mento”,segundo Alvim),eOli-
veiraconfessa que nem sabe
maisoque pensar depois do
auê instalado.Desistir? “Per-
guntadifícil,né? Sefosse em
outromomentodopaís,talvez
não seria vistodeforma ruim.
Hoje,tudooque éassociado a
evangélicoévistocomo ruim.”
Desvia quando questiona-
do sobredeque ladosevêno
cabo deguerraideológicodos
nossostempos.“Vaicairaliga-
ção”,diz, rindo,quandovem
àbailaonomedeBolsonaro,
que dizfazerquestão de no-
mes “terrivelmentecristãos”
na linhadefrentedeaparatos
públicos,sejaaAncine, seja o
SupremoTribunalFederal.
Qualquer opiniãoquedê, diz
Oliveira,vaimetê-loemapu-
ros—comosevangélicosque
gostam do mandatáriooucom
os artistasqueorepudiam.
Sai-secomesta: “É um gran-
de momentodemostrar que
nãorepresentamos as lou-
curas que estãofazendo por
aí, usandoonome deDeus e
colocandotodos osevangéli-
coscomosefossem iguais. Há
uma classe gigantescaque só
quer pregaroamor”.
Mas aindafaltaaoteatro
evangélicoumrespaldo que
amúsicagospel,“queestáaté
naGlobo”,jáconseguiu,diz.
“A parecida”, omusicaldeWal-
cyrCarrascosobre acatólica
Nossa SenhoraAparecida,“é
praticamentemissa,cantam
paraMaria”, afirma Oliveira.
“Se eu fizer isso praJesus,fi-
lho de Maria, não posso.Acho
quefaltaincentivoparaque a
gentemostre oque sabefazer.”
Elecontaque jáfoiquase
enxovalhado de umteatro
mineirocujadirigenteteve
um piripaque ao saber que
se tratavade umacompa-
nhiaevangélica.Omesmo
espaçojáhavia sido ocupado
por montagens sobreespiri-
Palcoparaogospel
Companhiaevangélicaque virou centro de polêmicanomeio artístico após ser indicada
por aliado de Bolsonaro para ocuparteatrocarioca aponta preconceitoefalta de respaldo
tismoeorixás, segundo ele.
ANissi, que nãoéligada a
uma igreja específica,temcer-
ca de 120 missionários (nas pa-
lavras de seu líder)eprivile-
gia montagens em presídios,
asiloseoutros projetos soci-
ais, um deles em Angola visi-
tado por Bruna Marquezine
eSasha.Mastambém almeja
estar em grandespalcos.Re-
centemente, arrendou por dez
anosoTeatroBrigadeiro,no
centropaulistano,que passa
asechamarTeatro Nissi.
Oliveiranão nasceuevangé-
lico. Converteu-se aos 20 anos,
quando eraumjovemator
compeças amadoras nocur-
rículo.LogoformouaNissi e
fezuma peça “bemNelsonRo-
drigues”,até hojeocarro-che-
fe dacompanhia. “OJardim do
Inimigo” traz personagensco-
mooDiabo(interpretadopor
ele),aProstituta,JesuseMu-
lher queApanha doMarido.
Naqueles primeirosanos,
fezumcursodeteatronaUni-
camp.Numa aula, levouum
vídeonoformatoVHScom
“OJardim do Inimigo”.“Um
caraolhou: ‘Seforcoisa de
crentenãovouassistir,cren-
te sófazporcaria’.”
Afala tinhauma dosegene-
rosa de preconceito, mastam-
bém derealidade, diz Olivei-
ra.“Porqueagente amarrava
lençol[como figurino], passa-
va [pomada] Minancorapara
maquiagem.Boméque apro-
veitavaetiravaespinha.”
Percebeu que,atéparacum-
prir melhoroqueviacomo
chamado deDeus, precisava
profissionalizaroteatrogos-
pel. “O pessoal nuncatinha
ouvidofalar decommedia
dell’arte,Stanislavski[teatró-
logoreferência emmétodos
deatuação]. Comeceiatrazer
genteque nãoeradaigreja.”
Foinumadessas queFer-
nanda Montenegrochegou
atéaJeováNissi, quereno-
vousua esperançanoBrasil
—omesmo queagora racha
entre“crente”e“não crente”.
“Eisapolêmica”,lamentaOli-
veira. “Pelo amor deDeus.”
PEÇASDA
ComPAnhiA
jEovániSSi
‘ojardim
do inimigo’
Primeiramon-
tagemdaNissi,
abordatemas
como violência
doméstica,
drogas e
prostituição
por meio de
personagens
como Diabo,
Jesus,aMulher
que Apanha
eDrogada
‘RuaAzusa’
Reconhecido
no prêmioBibi
Ferreira2019
(Revelação
em Musicais),
contaasaga
de um filho de
escravosque
liderou um
movimento
pentecostal
querachou
barreiras soci-
ais nos Estados
Unidos de
1906 ,dividido
pelasegre-
gaçãoracial
‘hadassa’
Novo
espetáculo da
trupe,contará
apartir dos
olhosde uma
menina autista
questões do
Holocausto
judaicoe
da rainha
Ester,figura
do Antigo
Testamento
MontagemdeJairoMaltasobrefotos decenas da peça ‘RuaAzusa’,daCompanhia Jeová Nissi Divulgação
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Segunda-Feira, 21 de OutubrOde2 019 C1