Folha de São Paulo - 21.10.2019

(Brent) #1

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UMJORNALASERVIÇO DO BRASIL


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Publicado desde 1921–Propriedade da EmpresaFolha da Manhã S.A.

PresidenteLuizFrias
diretorderedaçãoSérgio Dávila
suPerintendentesAntonio ManuelTeixeiraMendeseJudith Brito
Conselho editorialRogério CezardeCerqueiraLeite,
Marcelo Coelho,Ana Estela de SousaPinto, Cláudia Collucci,
Hélio Schwartsman, Heloísa Helvécia, MônicaBergamo,
Patrícia Campos Mello,Suzana Singer,Vinicius Mota,
AntonioManuelTeixeiraMendes, LuizFriaseSérgio Dávila(secretário)
diretoria-exeCutivaMarcelo Benez(comercial),Marcelo Machado
Gonçalves(financeiro)eEduardo Alcaro(planejamentoenovos negócios)

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editoriais


Derrame de inépcia


Novainfraestrutura


Quasedoismeses após as primei-
rasmanchas de óleochegarem às
praias doNordeste, persisteoenig-
ma sobreaorigem do derrama-
mento. Nãoque achar culpados
sejaamaior prioridade, diantedo
desafio delivrar 2. 100 km de lito-
raldopiche que pareceinterminá-
vel, masaincapacidade defazê-lo
ilustrabemaletargia dogoverno.
Pelaextensão alcançada do de-
sastre,cercadeumquarto dacosta
brasileira, jáse tratado maior aci-
dentedogênero. Foramafetadas
187 localidades em 77 municípios
dos 9 estadosnordestinos.
Mais que organizareliderar
açõesconcretasderemediação,
oPlanaltopareceempenhado em
apontarodedoparaaVenezuela
epropagarvagateoriaconspira-
tória sobre intençãocriminosana
poluição.Umacoisaéoóleoter si-
doextraído deterritóriovenezue-
lano;outra,bemdiversa,éatribu-
ir responsabilidade pelovazamen-
to aoregimedeNicolásMaduro.
Ahipótese mais provável indica
que as manchasparecem vir de al-
to-mar, acentenasdequilômetros
do litoral de PernambucoePara-
íba. Poderia ser um naufrágio,ou
transbordodesastrado de óleoa
partir de um navio semregistro
contratado paraburlaroembargo
àVenezuela. Ninguém sabe.
Sem indíciopalpável algum, o
presidenteJairBolsonaro(PSL) su-

geriu na sexta-feira( 18 )queoobje-
tivoocultoseria prejudicar ome-
galeilão decessãoonerosa marca-
do paraomêsquevem.
Trata-se de manobracanhestra
paratentar faturarpoliticamente
uma tragédia paraafaunaeaflora
compotencialdeprejudicarotu-
rismoeapescanoNordeste.
Taldiversionismotraiopropó-
sitodepassar ao largodo esclare-
cimentodevido: estariaogoverno
federal cumprindotudo que prevê
oPlanoNacional de Contingência
paraIncidentes de Poluição por
ÓleoemÁgua(PNC) aprovadoem
2013 ,ainda na administração da
presidente DilmaRousseff(PT)?
Cabeao Ministério do Meio Am-
bienteeàMarinha, peçascentrais
do esforçonecessário deconten-
çãodos danos, prestarcontasàopi-
niãopúblicasobreisso. Com deta-
lhes,comdispensa de declarações
pomposas de boas intenções.
Entretantodescobriu-seque a
gestão deJair Bolsonaroextinguiu
doiscomitês integrantes do PNC,
em meioasua ofensivacegacon-
traconselhoseoutroscolegiados
consultivos instalados noExecu-
tivofederal—queoPlanaltojulga
serem herança dos anospetistas.
Difícildizeragora se oscomitês,
caso estivessem em funcionamen-
to,permitiriam umarespostamais
rápidaeeficazaodesastre.Fato
éque essegoverno não se ajuda.

Tramitam pelo Congressoproje-
tosdelei quetendemacausarmu-
dançadegranderelevância para
oinvestimentoprivadoemseto-
rescentraisdaeconomia dopaís.
Hátextos queredesenhamomer-
cado degás, osegmento de energia
elétrica,osaneamento, omodelo
deconcessõeseparcerias público-
privadas, além decomplementar a
recém-aprovada novaleigeralde
telecomunicações, queainda pre-
cisa serregulamentada.
Forado Legislativo, há novida-
des emperradas nas agênciasre-
guladoras,comooleilãodas redes
móveis 5 G,oque deve adiarinves-
timentosparadaquiadois anos.
Sãonotáveisoalcanceeapro-
fundidadedasalterações que es-
saspossíveis novaslegislações po-
demcausar no panorama da infra-
estruturaedatecnologia nacionais.
Mais do que isso,trata-se de ino-
vações necessárias para umarecu-
peração do crescimento.
Alistaconstitui,na prática, um
programa de metasregulatórias,
de criaçãodecondições para oin-
vestimentoprivado,ainda maisre-
levanteemuma situaçãode penú-
ria estatalque não seráatenuada
antes de meia década. Essa agen-
da deveria ser prioridadedeum
governo quese querreformista.
Nãoébemoque se observa —um
tantodevidoàdesarticulaçãopar-
lamentareàindefinição de rumos

dogovernoJair Bolsonaro(PSL).
Quantoaosetor elétrico, por
exemplo,tramitamváriosproje-
tosdereorganização,baseados em
documentoelaboradoainda nogo-
verno de MichelTemer (MDB).Tal-
vezsurja outroprojeto, do Execu-
tivo, em uma desordem política.
Otextodosaneamentoavança,
mas depende de ajustesquefacili-
temaentrada de empresas priva-
das nesse setor.Também nesseca-
so,faltacoordenação de esforços.
Ao menosareforma da lei de
concessõesePPPs, que pode dar
maisceleridadeegarantiasaessas
variantesdeprivatização,passou
aandaremritmo apreciável, gra-
çasaointeresse do presidenteda
Câmara,RodrigoMaia (DEM-RJ).
Aliberalização dos setores degás
esaneamento, o 5 Geregras mais
seguras paraconcessões devem
mudaropadrão do investimento
no país.Alimpeza da imensacon-
fusão no setor elétricoeaprivati-
zação da Eletrobras podemgaran-
tirofornecimento de energia para
aretomada do crescimento.
Opaíse,espantosamente,mes-
moaáreaeconômicadogover-
no parecem não se darcontada
enormerelevância detais temas.
Acorretaprimaziaatribuídaàre-
formadaPrevidência nãojustifica
que essas pautasrecebam menos
atenção do Planaltoque ninharias
políticasepicuinhas ideológicas.

Faltagoverno esclarecer sefaztudoque planode


2013 prevê paradeter óleo nas praias do Nordeste


SãoPauloAseleições municipais do
ano quevemvão servir detestepa-
ra saber seotranse por que passa a
relaçãoentreasociedadeeapolíti-
ca vaipassar.Quantoseráque dura
oefeitodochá decogumelo que be-
bemos porvoltadejunho de 2013?
Sobaaçãodoalucinógeno,apró-
priaideiaderepresentaçãoganhou a
condição de pecado irretratável. Es-
palhou-sefeitogás aimagem de po-
líticoscomo espertalhõescorruptos,
que pedemvoto apenaspara goza-
remdeprivilégios às nossas custas.
Dolado de ládo balcão, mandatá-
riostambémrecorriamàprópriafar-
macinha.Fecharam-se num circui-
to lisérgicocom os financiadores de
suascampanhas queacada giro exi-
giamaisdinheiroemais negociatas.
Autoridadesencarregadasdebo-
tarordem nacasa acabaram enfei-
tiçadas pelo éter do estrelato.Valia
tudo —arrepiar normas, mudar de
posição,invadircompetência alheia,
segurar processos,combinarojo-
go—paraperseguir,prender,afas-
tarecondenarfigurões.Encantado,
ojuiz da Lava Jato virou ministro.

Nesse império devastas emoções
epensamentosimperfeitos, prolife-
rouaideia de queasalvaçãoeossal-
vadoresteriamde virdeforadapolí-
tica.Doshomens dagestão privada,
dos homens de quartéisedelegaci-
as.Doshomens santos das igrejas.
Em meioàfumaça hipnótica,pas-
sou batido queopresidenteeleitopa-
ra purificarapátria tinha seteman-
datosdedeputado nascostaseco-
mandavauma dinastiafamiliarsus-
tentada na política. Omesmopode
serditodopastor vitorioso paraa
prefeituradoRio em 2016 .Seuho-
mólogoemSãoPauloera umgestor
sempremuitopróximo degovernos.
Aslideranças da maioria no Con-
gresso parecemtersido as primei-
rasadespertar do delírio. Fincaram
asestacasdamoderaçãoedorefor-
mismo.Nenhumamaluquice dara-
ve do Planalto vingounoLegislativo.
Odesgastenatural no poder dos
arautos da depuraçãotendeares-
tituirrealismo ao eleitor.Creio que
notaremosamelhoraemoutubro
de 2020 ,mas não sei se estou sóbrio.
[email protected]

BRaSÍlIa“ComooBolsonarojáfalou,
nós estávamos noivosehojeéodia
docasamento”. Afrase édeLuciano
Bivar,nodia 7 de marçode 2018 ,no
atodefiliaçãoaoPSLdo então pré-
candidato àPresidência.
Eraumcasamento defachada, as-
simcomo defachadaeramascandi-
daturasdemulheres usadascomo la-
ranjas da sigla de Bivaresua trupe.
OPSL nuncafoi levadoasérioem
Brasília.Nada dos últimos dias sur-
preende.Bolsonarotopou ser“noi-
vo”cientedaencrencaem que es-
tavase metendo. Beneficiou-se de-
la, ganhouaeleição presidencial há
um anoeagora tentabancarobom
moçoecair fora da lama da legenda.
Bastavauma lida no prontuário de
Bivar paraBolsonaroter pensado
duasvezes antesdeentrar noPSL.
Quemvivenomundo do futebolco-
nhece as travessuras do deputado.
Cartola conhecidoemPernam-
buco, Bivar afirmou anosatrásque,
nocomando do Sport deRecifeem
2001 ,pagou paraemplacarumjoga-
dor na seleçãobrasileira.Odinhei-
roserviu,segundoele, paragaran-

tiraconvocaçãodovolante Leomar
pelo entãotreinador da CBF,Emer-
son Leão.Bivar nunca explicoudirei-
to atramoia financeira-quemrece-
beuasupostapropina, porexemplo.
Leão,naépocadahistória mal
contada pelo deputado,negouter
levado qualquercomissão.Aúnica
certeza docasoéque Leomarnão
tinha futebol parajogar na seleção.
Écom esse tipo de políticoqueBol-
sonarose“casou” em março do ano
passado,depois de leiloar suacan-
didaturaentrevárias legendas de
aluguel.Oinquilino viuoestado do
imóvel eagoraquerromperocon-
tratooutomá-lo dos donos.
Oproblema deBolsonaroéque
obarrildepólvoraque virouoPSL
tempotencial paracausar danosir-
reparáveis ao Planaltoeameaçar a
governabilidade de quem aindanão
temuma base parachamar de sua.
Odesmontedaúnica sigla que,em
tese, estava atéagora fechadacom o
presidenteéumpéssimo sinal para
Bolsonaro. Ou elereageeoperaal-
gummilagreouoseugovernocami-
nha paraumburacodeincertezas.

RIoDEJaNEIRoEm 2013 ,asincursões
de EdwardSnowden porcomputa-
doresaque nãofora convidadore-
velaram queaAgênciaNacional de
Segurançados EUApodia vigiar a
população americanaatravésde
um programa de interferência nos
celulares,adquirido dasempresas
detelecomunicação.Ouseja,amu-
lher do sujeitopodia não saber que
ele estava tendo umcaso comaBey-
oncé, masogoverno sabia.
OBrasilacabatambémde institu-
ir por decretooCadastroBase do Ci-
dadão—uma “baseintegradora” de
dados pessoais dos brasileiros. Se-
gundo li,constará de dadoscadas-
trais —nome, data do nascimento,
sexo,filiação, RG,CPF,CNPJ, PIS,Pa-
sep, título de eleitor etc.Aestes se-
rãoacrescidas, em devidotempo,as
“basestemáticas”,incluindo dados
biométricos:palma das mãos,digi-
tais, cordosolhos,formato doros-
to,voz,maneiradeandar.Serão da-
dos “interoperáveis”,ouseja, circu-
larão pelos ministérios, agências e
demais órgãos dogoverno.

Nãosei segostodaideia dever
minhas particularidades circulan-
do alegrementeentrepessoas que
nãoconheço.Comotodo brasilei-
roda minhageraçãoe,senãobas-
tasse, jornalista, jáconviviosufici-
entecomcensores, burocrataseas-
pones parasaber que,atépor ques-
tões higiênicas,convémmanter dis-
tância deles.
Nãosetrata detemer que eles des-
cubramoque eu penso,seéque pen-
so.Paraisso,basta lerestacoluna
—que ocupodesde 2007 ,dia sim, dia
não.Épelotipo decontrolemoral,
econômicoesocial que,comasno-
vastecnologias,oEstado podeter
sobreocidadãoepelas chantagens
que disso podem decorrer.Enão im-
portaquemexerçaessecontrole,
se esquerda ou direita. Ambas nos
vedamasaída.
Lembrei-me de um asfixiantepo-
ema de Cassiano Ricardo,emque
Deus convocaAdão.Eestediz: “Ouvi
aTuavozsoar no jardimetemi, por-
que estavanu, eescondi-me. Escon-
di-me nestearranha-céude vidro”.

Quantoduraoefeitodoácido?


Buracodeincertezas


Arranha-céudevidro



  • Vinicius Mota


  • LeandroColon




  • RuyCastro




Ademocracia representativa
nãoéummecanismo parare-
velaravoz do povo,danação ou
dos descamisados;aessência
da nacionalidadeoudatribo;
ou qualquer outroidealtrans-
cendentalcaro aos populistas.
Mas um arranjoinstitucional
para“mandarospilantras pas-
searem”(afórmulaconsagra-
da em inglêsé“throwtheras-
cals out”).Aseleições sãoape-
nas autorizações paraoexercí-
cio do poder; nãotêmconteú-
do substantivoexante.
Democracia encarnaoide-
al majoritário queéoprincí-
pioordenador das sociedades
contemporâneas:éamaioria,
enão um indivíduo ou grupo,
que deve prevalecer. Eaícome-
ça aconfusão dateoriaclássi-
cadademocracia, em quees-
ta éentendidacomovontade
geral, umaatualizaçãodafór-
mulavoxpopuli, voxDei.
Aconfusão derivadatrans-
formação,pela via daseleições,
das preferências de umamaio-
ria emvontadegeral. Mas nas
atuais democracias, essa mai-
oriaéapenasamaior mino-
ria:ataxa média decompare-
cimentoàsurnasédecerca de
2 / 3 do eleitorado,eosvence-
dores obtêm tipicamenteme-
nos de 40 %dos votos.
Esseéomenor dos proble-
mas dateoria:oprincipaléa
impossibilidadelógicaderaci-
onalidade social na agregação
de preferência emeleições e/
ouvotações —problemaidenti-
ficado por Condorcet, láatrás,
eKenneth Arrow(peloqualre-
cebeuoNobel de Economia).
Sabemos assim que osresul-
tados devotações são em lar-
gamedidaarbitrários.
Comisso,ocorreu umare-
volução naformacomoateo-
ria política passouatratarade-
mocraciarepresentativa. Mas
as tentativas essencialistasde
identificaralgoqueomecanis-
mo eleitoral supostamentere-
vela persistem nas suasvarian-
tesiliberais àesquerdaedireita.
Ademocraciarepresentati-
va éumaforma deveto popu-
larcontraoabuso.Nafamosa
definiçãodeWilliam Riker,“o
tipo de democracia que assim
sobrevive[àdevastadora crítica
àinconsistência dateoria clás-
sica] não é, no entanto, um tipo
degoverno popular,mas uma
forma —àsvezesintermitente,
erráticaeperversa— deveto
popular”(Cf.“Liberalism aga-
inst Populism:aConfrontation
Betweenthe TheoryofDemo-
cracy and the TheoryofSocial
Choice” [LiberalismocontraPo-
pulismo: ConfrontoentreTeo-
ria daDemocraciaeaTeoria da
Escolha Social], 1982 ).
Porisso,ademocracia liberal
confunde-secomalternância
no poderecertoexperimenta-
lismo institucional,enãocom
implementaçãodeideais abs-
tratos;comopluralismoecom-
petiçãoenãooatingimentode
algum fim perfeccionista(“des-
camisados no poder”; “gover-
nodejustos”).Asaúdeda de-
mocraciamede-se por suaca-
pacidade degarantiraelusiva
tarefa de punição/premiação
degovernantes. Apenas isso.
Mas nãoépouco.

Democracia


epopulismo



  • Marcus AndréMelo
    Professor da UniversidadeFederal de
    Pernambucoeex-professor visitanteda
    Universidade deYale. Escreve às segundas


João Montanaro

Se bem negociados, projetos queredesenham


setores econômicos poderão alavancaroPIB


opinião


A4 SEgUNda-FEIra, 21 dEOUtUBrOdE2 019
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