Os soluços vinham da fila da frente onde Harry viu três cabeças envolvidas
com lenços brilhantes e três homens de cabeça destapada. Os outros dois eram
um homem sentado do lado esquerdo e uma mulher. Reconheceu o penteado
afro em forma de globo de Astrid Monsen.
Os pedais do órgão chiaram, depois a música começou. Um salmo. A graça
de Deus. Harry fechou os olhos e sentiu como estava cansado. As notas do
órgão ergueram-se e afundaram-se, as notas elevadas a caírem do tecto como
água. As vozes frágeis cantaram por perdão e misericórdia. Harry ansiou
emergir em algo que pudesse aquecê-lo e escondê-lo. O Senhor virá para
julgar os rápidos e os mortos. A vingança de Deus. Deus como Nemésis. As
notas baixas do órgão fizeram com que os bancos de madeira desocupados
vibrassem. A espada numa mão e a balança na outra, castigo e justiça. Ou
nenhum castigo nem nenhuma justiça. Harry abriu os olhos.
Quatro homens carregavam o caixão. Harry reconheceu o agente Ola Li
atrás de dois homens muito morenos em fatos Armani, com camisas abertas
no pescoço. O quarto homem era tão alto que fazia com que o caixão se
inclinasse. O fato pendia-lhe solto do corpo magro, mas era o único dos
quatro que não parecia vergado pelo peso. Os olhos de Harry foram atraídos
para o rosto do homem. Estreito, finamente formado com olhos castanhos,
grandes e sofredores, colocados em covas fundas no crânio. O cabelo negro
estava penteado para trás numa trança longa, deixando a testa alta e brilhante
nua. A boca sensível, com o formato de um coração, estava cercada por uma
barba comprida e bem tratada. Era como se Cristo tivesse descido do altar
atrás do padre. E havia mais qualquer coisa. Há muito poucos rostos acerca
dos quais se possa dizer isso, mas aquele rosto era radioso . Enquanto os
quatro homens desciam a nave e se aproximavam de Harry, ele tentou ver o
que o tornava tão radioso. Era a dor? Não era prazer. Bem? Mal?
Quando eles passaram, os olhos de ambos encontraram-se por breves
instantes. Atrás deles seguia Astrid Monsen de olhos baixos, um homem de
meia-idade com aparência de contabilista e três mulheres, duas mais velhas e
uma mais nova, vestidas com saias coloridas. Soluçavam e gemiam, rolavam
os olhos e contorciam as mãos num acompanhamento silencioso.
Harry levantou-se quando o minúsculo cortejo saiu da igreja.
– Engraçados, estes ciganos, não são, Hole? – As palavras ressoaram pela
igreja. Harry virou-se. Era Ivarsson, fato preto, gravata e sorriso. – Quando eu
era miúdo, tínhamos um jardineiro cigano. Ursari, viajavam por todo o lado
com os ursos bailarinos, sabes. Chamava-se Josef. Sempre com música e
partidas. Mas a morte, percebes... Estas pessoas têm uma relação com a