Vingança a Sangue-Frio

(Carla ScalaEjcveS) #1

limpou cuidadosamente a testa com o indicador para não estragar a base.


– É melhor descalçar-me – disse Harry, e nesse momento lembrou-se do
buraco na meia por cima do dedo grande do pé direito.


– Não, que Deus me proíba, a casa não. Temos pessoas para fazer isso. –
Riu-se. – Mas gosto de ser eu mesma a lavar a roupa. Tem de haver limites
quanto àquilo que podemos deixar os estranhos fazer numa casa, não acha?


– É bem verdade – murmurou Harry. Teve de se mover rapidamente para a
conseguir acompanhar escadas acima. Passaram por uma cozinha de bom
gosto e entraram numa sala de estar. Um amplo terraço encontrava-se para lá
de duas portas de vidro deslizantes. Na parede principal havia uma enorme
construção em tijolo, uma espécie de casa, algo entre a Câmara Municipal de
Oslo e um cenotáfio.


– Projectada por Per Hummel para o quadragésimo aniversário de Arne –
disse Vigdis. – Per é nosso amigo.


– Sim, Per projectou mesmo... uma grande lareira.
– Estou certa de que conhece Per Hummel, o arquitecto. Conhece a nova
capela de Holmenkollen?


– Receio bem que não – disse Harry e estendeu-lhe a fotografia. – Importa-
se de ver isto?


Observou a surpresa a espalhar-se pelo rosto dela.
– Mas é a fotografia que Arne nos tirou o ano passado, em Larkollen. Como
é que chegou às suas mãos?


Harry esperou para ver se ela conseguia manter a expressão genuinamente
intrigada antes de responder. Conseguiu.


– Encontrámo-la dentro do sapato de uma mulher chamada Anna Bethsen –
disse. De seguida, testemunhou a reacção em cadeia de pensamentos,
raciocínios e emoções a reflectirem-se no rosto de Vigdis Albu, como se fosse
uma telenovela em fast forward . Primeiro, surpresa, depois espanto e a seguir
confusão. Depois, um pressentimento, que foi primeiro rejeitado por uma
gargalhada céptica, mas que se aguentou e pareceu crescer até uma tomada de
consciência. E, por fim, o rosto fechado com um subtítulo: Tem de haver
limites quanto àquilo que podemos deixar os estranhos fazer numa casa, não
acha?


Harry brincou com o maço de cigarros que tirara do bolso. Um grande
cinzeiro de vidro ocupava uma posição orgulhosa no meio da mesa de centro.

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