Vingança a Sangue-Frio

(Carla ScalaEjcveS) #1

descaíram num esgar grotesco. A criança parou de chorar tão repentinamente
como começara. Harry inalou profundamente. Porque sabia. Era uma imagem
gelada, uma imagem perfeita. Duas pessoas apanhadas numa fracção de
segundo quando uma informava a outra de uma sentença de morte; o rosto
mascarado a dois palmos de distância do seu homólogo indefeso. O Executor
e a sua vítima. A arma estava apontada à garganta e a um pequeno coração
dourado que pendia de uma corrente estreita. Harry não a via, mas sentiu a
pulsação dela a latejar sob a pele fina.


Um gemido abafado. Harry espeta as orelhas. No entanto, não são as
sirenes da polícia, apenas um telefone a tocar no gabinete vizinho.


O homem mascarado vira-se e ergue os olhos para a câmara de vigilância,
pendurada do tecto atrás dos balcões. Levanta uma mão e mostra cinco dedos
enluvados a negro, depois fecha a mão e estende o indicador. Seis dedos. Seis
segundos demasiado longos. Vira-se de novo para Stine, segura a arma com
as duas mãos, ergue-a à altura da anca e levanta o cano em direcção à cabeça
dela, de pé, as pernas ligeiramente afastadas para aguentar o coice da arma. O
telefone continua a tocar. Um minuto e doze segundos. O anel de diamantes
cintila quando Stine soergue a mão, como se a acenar adeus a alguém.


São exactamente 15h22m22 quando ele premie o gatilho. O tiro é agudo e
oco. A cadeira de Stine é impelida para trás quando a cabeça lhe dança sobre
o pescoço, como a de uma boneca de trapos desfeita. Depois a cadeira cai
para trás. Ouve-se um som surdo quando a cabeça de Stine embate contra
uma das extremidades da secretária e Harry deixa de a ver. Nem consegue ver
o cartaz que publicita o novo esquema de pensões do Nordea pregado no
exterior da divisória de vidro acima do balcão, que tem agora um fundo
vermelho. A única coisa que se ouve é o toque zangado e insistente do
telefone. O assaltante mascarado pega no saco de desporto. Harry tem de se
decidir. O assaltante salta por cima do balcão. Harry decide-se. Num
movimento rápido levanta-se. Seis passos. Está ali. E atende o telefone:


– Estou!
Na pausa que se segue ouve a sirene da polícia na televisão da sala de estar,
uma música pop paquistanesa vinda da casa dos vizinhos e passos pesados
nas escadas que soam como os de fru Madsen. Depois ouve-se uma
gargalhada suave do outro lado da linha. É a gargalhada de um encontro
muito antigo. Não a tempo, mas também distante. Como setenta por cento do
passado de Harry que, de vez em quando, lhe regressa sob a forma de vagos
rumores ou invenções totais. Mas aquela é uma história que ele pode
confirmar.

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