– Oh?
– Walle Bødtker, o seu avô. Oitenta e cinco anos, e dono de três edifícios de
apartamentos no centro da cidade. Este Verão diagnosticaram-lhe um cancro
nos pulmões, e deste então que se sabe como é que as coisas vão acabar. Cada
um dos netos iria receber um prédio.
A pergunta de Harry foi apenas um reflexo.
– Quem é que vai ficar agora com o edifício de Stine?
– Os outros netos – respondeu Grette, com um tom de repugnância na voz.
– E agora vocês vão verificar os álibis deles, não vão?
– Acha que o devemos fazer? – perguntou Harry.
Grette estava prestes a responder, mas deteve-se quando os seus olhos
encontraram os de Harry. Mordeu o lábio inferior.
– Peço desculpa – disse, e passou uma mão pelo rosto por barbear. – Claro
que devia estar satisfeito por vocês estarem a verificar todas as possibilidades.
Apenas parece que é tudo tão inútil. E sem sentido. Mesmo que o apanhem,
nunca recuperarei aquilo que ele me tirou. Nem sequer a pena de morte o
conseguiria fazer. Perder a própria vida não é a pior coisa que nos pode
acontecer. – Harry já sabia como é que ele ia continuar. – O pior é perder o
nosso motivo para estarmos vivos.
– Sim – disse Harry e levantou-se. – Este é o meu cartão. Ligue-me se se
lembrar de alguma coisa. Também pode pedir para falar com Beate Lønn.
Grette voltara a virar o rosto para a janela e não viu Harry a estender-lhe o
cartão, por isso ele deixou-o em cima da mesa. No exterior estava a ficar mais
escuro e eles viam reflexos semitransparentes na janela, semelhantes a
fantasmas.
– Tenho a sensação de que o vi – disse Grette. – Normalmente, às sextas,
saio do trabalho e vou jogar squash no centro Focus em Sporveisgata. Como
não tinha ninguém contra quem jogar, fui, em vez disso, para o centro de
fitness . Levantamento de pesos, bicicleta, esse género de coisas. A essa hora
há ali tantas pessoas que é frequente termos de formar uma fila.
– É verdade – disse Harry.
– Quando Stine foi morta, era ali que eu estava. A trezentos metros de
distância do banco. Ansioso por tomar um duche, ir para casa e começar a
fazer o jantar. Era sempre eu que cozinhava às sextas-feiras. Gostava de
esperar por ela. Gostava... de esperar. Nem todos os homens gostam.