Troncos negros, janelas sólidas. Tudo o que se referia ao chalé parecia
sólido e impenetrável. Harry perguntou-se se seria possível entrar pela
chaminé de aparência imponente, mas rejeitou a ideia. Desceu o carreiro. A
chuva dos últimos dias tinha amolecido a terra, mas era-lhe fácil imaginar os
pés pequenos e pernas nuas de crianças a correrem pelo carreiro banhado pelo
sol de Verão, a caminho da praia situada atrás das rochas amaciadas pelo mar.
Parou e fechou os olhos. Até ouvir o som. O zumbido de insectos, o
murmurar da erva alta a ondular na brisa, um rádio distante e uma música que
flutuava ao vento, e, vindos da praia, os gritos animados das crianças. Tinha
dez anos e dirigira-se, desajeitado, até à mercearia para comprar pão e leite.
As pequenas pedras enterravam-se-lhe nas solas dos pés, mas ele cerrara os
dentes porque naquele Verão decidira-se a endurecer os pés para poder correr
descalço com Øystein quando voltasse a casa. Ao regressar, o pesado saco de
compras parecia pressioná-lo mais profundamente no carreiro de cascalho;
parecia-lhe estar a andar sobre carvões em brasa. Focou a sua atenção em algo
um pouco mais à frente – uma grande pedra ou folha – e disse a si mesmo que
tinha apenas de chegar até ali, que não era longe. Quando por fim chegou a
casa, uma hora e meia depois, o leite estava entornado e a mãe ficou zangada.
Harry abriu os olhos. Nuvens cinzentas corriam pelo céu.
Encontrou rastos de pneus na erva castanha ao lado do carreiro. As
impressões profundas e irregulares sugeriam que fora um veículo pesado com
pneus todo-o-terreno, um Land Rover ou qualquer coisa parecida. Com toda a
chuva que caíra nas últimas semanas, os rastos não deviam ser muito antigos.
Teriam no máximo uns dois dias.
Contornou-os, a pensar que não havia nada de tão desolador quanto uma
estância de Verão no Outono. Quando regressou ao chalé, acenou com a
cabeça à gaivota.
Halvorsen estava debruçado sobre a porta de entrada com uma gazua
eléctrica, a resmungar.
– Que tal está a correr?
– Mal. – Halvorsen endireitou-se e limpou o suor da testa. – Esta não é uma
fechadura para amadores. É o pé-de-cabra ou desistir.
– O pé-de-cabra não. – Harry coçou o queixo. – Viste debaixo do tapete?
Halvorsen suspirou.
– Não, e também não o vou fazer.
– Porque não?