Vingança a Sangue-Frio

(Carla ScalaEjcveS) #1

andar bamboleado de um anão. Conduziu-os até ao bloco de celas. Uma
galeria de três pisos de altura, com filas de portas azul-claras a cercar um átrio
rectangular. Uma vedação de arame elevava-se entre os pisos. Não se via
ninguém e o silêncio foi apenas quebrado por uma porta que bateu algures.


Harry já ali estivera muitas vezes, mas parecia-lhe sempre absurdo pensar
que, atrás de todas aquelas portas, se encontravam pessoas que a sociedade
achara adequado fechar contra as suas vontades. Não sabia por que motivo
achava que aquele era um pensamento tão monstruoso, mas era algo
relacionado com a possibilidade de ver a manifestação física do castigo pelos
crimes publicamente institucionalizada. A balança e a espada.


O molho de chaves do guarda prisional sacudiu-se quando o homem
destrancou uma porta na qual estava escrito VISITAS em palavras pretas.


– Aqui estamos. Batam à porta quando estiverem prontos para sair.
Entraram e a porta fechou-se estrondosamente atrás deles. No silêncio que
se seguiu a atenção de Harry foi captada pelo zumbido baixo e intermitente da
lâmpada fluorescente e pelas flores plásticas na parede, que lançavam
sombras pálidas sobre as aguarelas desbotadas. Um homem estava sentado
muito direito numa cadeira, colocada exactamente no centro da parede
amarela atrás de uma mesa. Os antebraços estavam pousados em cima da
mesa de ambos os lados de um tabuleiro de xadrez; o cabelo estava puxado
para trás, muito apertado junto às orelhas. Vestia um uniforme macio,
semelhante a um fato-macaco. As sobrancelhas bem-definidas e a sombra que
caía no nariz direito formavam um T nítido de cada vez que a lâmpada
fluorescente piscava. No entanto Harry lembrava-se sobretudo da sua
expressão no funeral, a combinação conflituosa de sofrimento e
impassibilidade que fazia com que Harry se recordasse de alguém.


Harry fez sinal a Beate para se sentar junto da porta. Levou uma cadeira até
à mesa e sentou-se em frente de Raskol.


– Obrigado por ter tido tempo para nos receber.
– Aqui o tempo é barato – disse Raskol num tom de voz
surpreendentemente enérgico e amável. Falava como um europeu de Leste
com «r’s» fortes e uma dicção clara.


– Compreendo. Chamo-me Harry Hole e a minha parceira é...
– Beate Lønn. És parecida com o teu pai, Beate.
Harry ouviu o arquejo de Beate e virou-se. Ela não corara; pelo contrário, a
pele pálida tornara-se ainda mais branca e a boca imobilizara-se num esgar,

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