O focinho do cão era tão negro como a noite e contrastava com o branco
dos dentes a descoberto. A luz fraca do candeeiro junto à porta captou um fio
de baba que pendia de um canino enorme, e este cintilou.
– Senta! – disse uma voz familiar, vinda das sombras sob a entrada da
garagem do outro lado da rua estreita e silenciosa. Relutante, o Rottweiler
baixou os quartos traseiros largos e musculosos sobre o alcatrão molhado,
mas os olhos brilhantes e castanhos (a coisa mais distante que se possa
imaginar de «olhos ternos de cachorro») nunca se desviaram de Harry.
A sombra do boné caiu sobre o rosto do homem que se aproximava.
– Boa noite, Harry. Tens medo de cães?
Harry olhou para as mandíbulas vermelhas à sua frente. Um fragmento de
cultura geral surgiu à superfície. Os romanos tinham utilizado os antepassados
do Rottweiler na conquista da Europa.
– Não, o que é que queres?
– Fazer-te uma proposta. Uma proposta que... como é a frase?
– Esquece lá isso, diz-me apenas qual é a proposta, Albu.
– Tréguas. – Arne Albu ergueu o boné. Tentou o seu sorriso infantil, mas
aquele não assentou tão bem como anteriormente. – Manténs-te longe de mim
e eu mantenho-me afastado de ti.
– Interessante. E se isso não acontecer, o que é que me farás, Albu?
Albu apontou com a cabeça para o Rottweiler , que não estava sentado mas
agachado e pronto a saltar.
– Tenho os meus métodos. E não sou completamente destituído de recursos.
– Hm. – Harry deu uma palmadinha no bolso do casaco à procura do maço
de cigarros, mas deteve-se quando o rosnar se tornou ameaçador. – Pareces
exausto, Albu. Toda esta correria está a cansar-te?
Albu sacudiu a cabeça.
– Não sou eu que estou a correr, Harry. És tu.
– Oh? Ameaças vagas contra um agente da polícia num lugar público. Eu
chamo a isso um sinal de cansaço. Porque é que não queres continuar a jogar?
– Jogar? É assim que vês as coisas? Uma espécie de jogo do loto com o
destino humano.
Harry viu a fúria nos olhos de Arne Albu. E mais qualquer coisa. O maxilar