aquele assalto em Bogstadveien que te contei ontem. E com o gerente de
balcão.
– Diverte-te. Falamos amanhã. Mas primeiro Oleg quer dar-te as boas-
noites.
Harry ouviu o som de pequenos passos a correrem e depois uma respiração
excitada ao telefone.
Depois de terem acabado de falar, Harry permaneceu no vestíbulo a olhar
para o espelho acima da mesa do telefone. Se a teoria dele estivesse correcta,
estava agora a olhar para um polícia competente. Dois olhos injectados de
sangue, um de cada lado de um nariz largo com uma rede de veias azuis e
finas, num rosto pálido e ossudo com poros fundos. As suas rugas pareciam-
se com cortes de faca aleatórios feitos numa viga de madeira. Como é que
aquilo acontecera? Pelo espelho, viu atrás de si a parede na qual estava
pregada a fotografia do rosto sorridente e bronzeado do rapaz junto da irmã.
Mas a mente de Harry não estava agora ocupada com a boa aparência nem
com a juventude perdida, porque o pensamento por fim chegara. Perscrutava
as próprias feições em busca do engano, da evasiva, da cobardia que acabara
de fazer com que quebrasse uma das poucas promessas que fizera a si mesmo:
que nunca, mesmo nunca, acontecesse o que acontecesse, mentiria a Rakel.
De todos os rochedos do mar da sua relação para se afundarem, e havia
muitos, as mentiras não seriam um deles. Então porque é que lhe mentira? Era
verdade que ele e Beate se iam encontrar com o marido de Stine Grette, mas
porque é que não lhe dissera que a seguir se ia encontrar com Anna? Uma
velha paixoneta, e depois? Fora um caso curto e tempestuoso que deixara
cicatrizes, embora nenhum ferimento prolongado. Iam apenas conversar e
beber um café, e contar um ao outro as suas respectivas histórias do que
acontecera depois. A seguir, cada um iria por caminhos separados.
Harry pressionou o PLAY do gravador para ouvir o resto da mensagem. A
voz de Anna encheu o vestíbulo: «... ansiosa por te ver no M esta noite. Só
duas coisas. Podes passar pela loja das chaves na avenida Vibes e trazeres-me
as chaves que mandei fazer? Estão abertos até às sete e disse-lhes para as
porem em teu nome. E importas-te de usar aquelas calças de ganga de que
gosto tanto?»
Uma gargalhada profunda, rouca. A sala pareceu vibrar com aquele ritmo.
Não havia dúvidas quanto àquilo, ela não mudara.