– Não foi Anna, mas Anna tinha uma mãe. Boa noite, Spiuni.
– Hm. Uma última pergunta.
Simon deteve-se.
– O que significa spiuni?
Simon riu-se.
– É a abreviatura de spiuni gjerman , espião alemão. Mas tem calma, meu
amigo, não é um nome pejorativo. Nalguns lugares até há rapazes que se
chamam assim.
Depois fechou a porta e desapareceu.
O vento abrandara e apenas se ouvia o zumbido do trânsito na
Finnmarkgata. No entanto, Harry não conseguiu adormecer.
Beate estava deitada na cama a ouvir os carros na rua. Quando criança,
adormecera com frequência ao som da voz dele. As histórias que ele contava
não se encontravam em nenhum livro; eram criadas à medida que falava.
Nunca eram exactamente iguais, apesar de, por vezes, começarem da mesma
maneira e envolverem as mesmas pessoas: dois ladrões malvados, um pai
esperto e a sua filha corajosa. E acabavam sempre em bem com os ladrões
trancados numa cela.
Beate não se lembrava de alguma vez ter visto o pai ler. Quando cresceu,
percebeu que o pai sofria de uma coisa a que chamavam dislexia. Se não fosse
isso, teria sido advogado, dissera-lhe a mãe. «Aquilo que queremos que
venhas a ser.»
Mas as histórias não tinham sido acerca de advogados, e quando Beate
disse à mãe que fora aceite no Instituto da Polícia, ela chorara.
Beate acordou sobressaltada. Alguém tocara à campainha. Resmungou e
rodou as pernas para fora da cama.
– Sou eu – disse uma voz pelo intercomunicador.
– Já te disse que não te quero voltar a ver – disse Beate, a tremer na camisa
de noite fina. – Vai-te embora.
– Vou quando te pedir desculpa. Não fui eu. Eu não sou assim. Apenas...
perdi o controle. Por favor, Beate. Só cinco minutos.
Ela hesitou. Ainda sentia o pescoço rígido e Harry reparara nas equimoses.
– Tenho uma prenda para ti – disse a voz.