– Aqui? – perguntou Harry espantado. Baixou-se dentro do carro e levantou
os olhos para o edifício amarelo à sua frente.
– Porque não? – disse Waaler, já meio fora do carro.
Harry sentiu o coração começar a acelerar. Ao procurar o manípulo, de
todos os pensamentos que lhe corriam pela cabeça apenas se fixou num: devia
ter ligado a Rakel.
O nevoeiro voltara. Erguia-se vindo das ruas, dos interstícios à volta das
janelas fechadas, atrás das árvores da avenida, pela porta azul que se abrira ao
ouvir o latido abrupto da voz de Weber no intercomunicador, e através das
fechaduras das portas quando subiram. Jazia como um edredão de algodão à
volta de Harry, e ao entrarem no apartamento, teve a sensação de estar a andar
nas nuvens. Tudo à volta dele – as pessoas, as vozes, o crepitar dos walkie-
talkies , a luz dos flaches das máquinas fotográficas – estava coberto pela
tonalidade dos sonhos, uma demão de distanciamento porque aquilo não era,
não podia, ser real. Mas, de pé em frente da cama onde a morta jazia com uma
pistola na mão direita e um buraco negro na têmpora, descobriu que era
incapaz de olhar para o sangue na almofada ou encontrar o olhar vazio e
acusador dela. Em vez disso focou-se na cabeceira da cama, no cavalo com a
cabeça arrancada, à espera de que o nevoeiro se dissipasse e que ele pudesse
acordar.