26 • Público • Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019
MUNDO
As forças do regime de Assad come-
çaram ontem a dirigir-se para as
cidades curdas de Kobani e Manbij,
no Nordeste da Síria, depois de as
Forças Democráticas da Síria (SDF)
e Damasco terem chegado a acordo
para impedir que os turcos as cap-
turem. O anúncio foi feito pouco
depois de se saber que os Estados
Unidos iam retirar os mil soldados
de forças especiais que ainda ali per-
maneciam, abandonando os curdos
no combate ao Daesh.
“Esta noite, o Exército sírio vai
regressar a Kobani”, disse o chefe
das forças armadas de Assad, Sheikh
Hassan. “Esta ocupação colonial
turca não tem apenas como alvo as
SDF e a minoria curda, mas também
toda a demograÆa síria, a geograÆa
da Síria e todos os componentes do
povo sírio”, complementou em
comunicado o deputado curdo no
Parlamento em Damasco, Omer
Ousi.
A Rússia, que tinha avisado Anca-
ra para terminar a ofensiva, partici-
pou nas negociações e poderá ter
forças entre as colunas de militares
que se dirigem para essas duas cida-
des. Também há relatos não conÆr-
mados de negociações para os cur-
dos permitirem a entrada das forças
de Assad nas zonas que controlam
em Alepo, para evitar que os turcos
as conquistem. Não é a primeira vez
que os curdos fazem um acordo des-
te género com Assad: em Dezembro
de 2018 também se viraram para
Assad, por causa de Afrin.
Há cinco dias, quando a ofensiva
começou, que os curdos se viam a
combater em duas frentes — contra
os turcos e contra os jihadistas — e
sem forças para o fazer por tempo
indeterminado. Já perderam 25 vilas
e as cidades de Tal Abyad, Suluk e
Ain Issa e sofreram pesadas baixas
— mais de cem combatentes, com
Erdogan a anunciar mais de 400.
“Fizemos tudo o que podíamos”,
disse o comandante de Kobani,
As tropas do regime de Assad dirigiam-se
ontem para as cidades curdas de Kobani
e Manbij para impedir que estas caiam
nas mãos dos turcos
general Ismet Sheikh Hasan, ao
Defense Post. “Pedimos ao Ocidente
e à Liga Árabe, mas ninguém veio
ajudar-nos, não tivemos ninguém
além de nós próprios para defender
a cidade.”
Americanos saem
O avanço das forças de Assad para
travar os turcos contrasta com a reti-
rada dos mil soldados de forças espe-
ciais norte-americanas. “Por termos
forças [no terreno], encontramo-nos
no meio de dois exércitos em movi-
mento e isso é uma situação insus-
tentável”, disse à CBS o secretário de
Defesa dos EUA, Mark Esper. “Sou-
bemos nas últimas 24 horas que [os
turcos] pretendem estender a zona
da ofensiva ainda mais para sul e
ocidente do que estava planeado.”
A decisão de Washington foi moti-
vada por ter aumentado muito o
risco de entrar em rota de colisão
directa com Ancara. No sábado, um
posto militar norte-americano foi
bombardeado pela artilharia turca,
e com a captura da cidade de Ain
Issa por Ancara, um pequeno núme-
ro de militares dos EUA retirou-se do
aglomerado urbano por Washington
temer confrontos com o Exército
Livre da Síria, treinado e armado
pela Turquia. Além disso, as tropas
norte-americanas viram-se isoladas
em Kobani, onde têm a sua base,
quando os turcos cortaram a auto-
estrada M4, que liga a zona ocidental
e a oriental no Nordeste da Síria.
O corte da auto-estrada foi mais um
sinal de como a ofensiva turca, apeli-
dada Operação Fonte da Paz , está a
ser imparável. Os curdos, desdobra-
dos em centenas de quilómetros e
sem apoio aéreo ou de artilharia, não
conseguiram impedir que as forças
do Presidente turco, Recep Tayyip
Erdogan, conquistassem 109km qua-
drados de território curdo.
A inÇuência dos EUA deverá dimi-
nuir signiÆcativamente face à da
Rússia na zona. Os curdos foram os
grandes responsáveis pela queda do
califado do Daesh e continuaram a
combatê-lo ao lado dos EUA depois
de Trump ter dado luz verde à ofen-
capacidade curda em travar a ofen-
siva e o medo das represálias turcas
que terão contribuído para o suces-
so das negociações com Damasco.
A sul de Tal Abyad, uma das princi-
pais cidades curdas na fronteira,
foram assassinados nove civis, e as
execuções foram Ælmadas. Ouvem-
se os milicianos a gritarem insultos
aos civis antes de dispararem à quei-
ma-roupa. Entre as vítimas está a
política feminista curda Hevrin Kha-
laf, do Partido Futuro Sírio: força-
ram-na a sair do carro e executa-
ram-na à beira da estrada. Tê-la-ão
violado e apedrejado, segundo
alguns relatos.
Além disso, o número de civis
mortos ultrapassou os 40 e, ontem,
um comboio de veículos civis com
Guerra na Síria
Ricardo Cabral Fernandes
Assad dá uma mão aos curdos
para travar ofensiva turca
Os curdos
não estavam
a conseguir suster
a ofensiva de
Erdogan, cujas
forças já tinham
conquistado 25
vilas e Suluk, Tal
Tabyad e Ain Issa
depois de duros
confrontos
siva de Erdogan, decisão vista pelos
curdos como “facada nas costas”, e
este anúncio prejudicará as suas
relações.
Execuções
O acordo entre os curdos e Damasco
segue-se ao anúncio de Erdogan de
que apenas dará por terminada a
ofensiva quando as cidades de Hasak
e Ain al-Arab, para lá dos 30km da
“zona de segurança” inicialmente
deÆnida, forem capturadas. Uma
extensão de território que vai para
lá do acordado com Washington em
Agosto e o prometido por Erdogan o
início das operações. Kobani e
Manbij podiam assim constar nos
próximos alvos de Ancara.
Mas foi sobretudo a insuÆciente