Público - 14.10.2019

(Barry) #1
Público • Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019 • 31

morrem, elas descem ao fundo do
mar. Cada grande baleia sequestra
33 toneladas de CO2, em média, reti-
rando esse carbono da atmosfera
durante séculos. Uma árvore absor-
ve apenas 21,7 quilos (48 libras) de
CO2 por ano”, escrevem. Por isso,
argumentam, “proteger as baleias
poderia aumentar signiÆcativamen-
te a captura de carbono”, dado que
a população actual de grandes cetá-
ceos “é apenas uma pequena frac-
ção” do que já foi há séculos. As
baleias, como outros seres vivos,
prestam serviços aos seus ecossiste-
mas, mas “os benefícios disso, para
nós, e para a nossa sobrevivência,
são bem menores do que poderiam
ser”, alertam.
Impossíveis de ignorar, face à sua
dimensão, as baleias são apenas o
lado visível destas contas. É reconhe-
cido por todos — mesmo por aqueles
que negam o impacto do CO2 de ori-
gem antropogénica nas alterações


climáticas — que a Çorestação de vas-
tos territórios do planeta, com o
consequente incremento da fotossín-
tese, pode ser uma solução de base
natural para capturar este gás, cuja
concentração na atmosfera passou
de cerca de 280 partes por milhão,
na era pré-industrial, para 407 partes
por milhão. Mas o que às vezes nos
escapa — talvez por vivermos em ter-
ra — é o trabalho de formiguinha de
uns seres vivos minúsculos, o Æto-
plâncton, que alimentam as baleias
e se alimentam do que as baleias dei-
xam no mar.
“Onde quer que encontremos
baleias, os maiores seres vivos do pla-
neta, encontraremos também popu-
lações de alguns dos seres mais
pequenos, o Ætoplâncton. Estas cria-
turas microscópicas não só contri-
buem para pelo menos 50% do oxi-
génio [existente] na nossa atmosfera,
como o fazem capturando cerca de
37 mil milhões de toneladas de CO2.

Para colocar as coisas em perspectiva,
calculamos que isto é o equivalente à
quantidade de CO2 capturado por 1,7
biliões de árvores [“trillions”, no ori-
ginal americano] — valendo tanto
quanto quatro Çorestas da Amazónia
(...) Mais Ætoplâncton signiÆca mais
captura de carbono”, continuam os
autores deste trabalho antes de nos
explicarem como é que as baleias,
que se alimentam destes organismos
minúsculos com capacidade de fazer
fotossíntese, acabam por contribuir
para o aumento da sua biomassa nos
mares do planeta.
Bom, a resposta, explicam-nos,
está nos abundantes dejectos e urina
destes mamíferos marinhos. “Em
anos recentes, os cientistas descobri-
ram que as baleias têm um efeito
multiplicador no aumento do Æto-
plâncton nos sítios para vão. Como?
Acontece que os dejectos das baleias
contêm exactamente as substâncias
— ferro e nitrogénio — que o Æto-
plâncton precisa para crescer”,
notam. As baleias levam minerais
para a superfície do mar através do
seu movimento vertical (“ whale
pump ”, em inglês), que empurra
massas de água do fundo para cima,
e através das suas migrações ao lon-
go dos oceanos.
“Modelos preliminares e estimati-
vas indicam que esta actividade ferti-
lizante tem um impacto signiÆcativo
no desenvolvimento do Ætoplâncton
nas áreas que as baleias frequentam”,
escrevem, explicando de seguida
que, apesar de haver outras fontes
para os nutrientes que alimentam a
vida marinha — as tempestades de
areia, os sedimentos dos rios, e o
transporte de matéria pelo vento e
pelas ondas, por exemplo —, “o nitro-
génio e o fósforo são escassos” e limi-
tam a quantidade de plâncton que
pode medrar nas áreas mais quentes
dos oceanos.
Em áreas mais frias, por seu turno,
o mineral limitador tende a ser o fer-
ro, pela sua menor abundância. “Se
maiores quantidades destes minerais
em falta passassem a estar disponí-
veis onde são escassos, mais Æto-
plâncton poderia crescer, absorven-
do potencialmente muito mais CO2”,
calculam.
É aqui que as baleias entram. Nas
contas deste quarteto, se coordenás-
semos esforços para mitigar o nosso
impacto no seu desenvolvimento —
navegação, caça por parte de alguns
países e outros riscos, como o plás-
tico e a poluição sonora que as desvia
das suas rotas — e lhes garantíssemos
melhores condições para se aproxi-
marem dos números de há três sécu-
los, abrindo o mar a 4 a 5 milhões
destes gigantes, juntaríamos a sua
própria capacidade de retenção de
CO2 à do Ætoplâncton, que elas
comem mas ajudam a reproduzir. No
mínimo, até um aumento de apenas
1% na produtividade do Ætoplâncton,

graças à actividade das baleias, cap-
turaria centenas de milhões de tone-
ladas mais de CO2 por ano, num
resultado equivalente ao do apareci-
mento repentino de dois mil milhões
de árvores adultas. Agora é imaginar
o impacto ao longo do tempo de vida
médio de uma baleia, que ultrapassa
os 60 anos.
Trabalhando com o FMI, os auto-
res deste estudo olham para o lado
contabilístico da questão, não sem
antes assinalar que, sendo esta uma
solução de base natural, testada ao
longo de milhares de anos, nos pou-
paria aos riscos, ainda não conheci-
dos, de algumas soluções tecnológi-
cas de que poderíamos fazer uso
para sequestrar o carbono em exces-
so na atmosfera. O problema, admi-
tem, é que, como os seus benefícios
são difusos, dispersos por todo o
planeta, elas estão sujeitas àquilo
que se deÆne como a “tragédia dos
(bens) comuns”: nenhum indivíduo
que deles beneÆcia está suÆciente-
mente motivado para pagar a sua
parte dos custos necessários para a
sua manutenção. É o mesmo que se
passa com a atmosfera, exempliÆ#
cam. Todos reconhecem a sua
importância, mas a coordenação
necessária para manter o seu equilí-
brio continua a ser um problema.
Tendo em conta os serviços que
nos prestam — e isso inclui a captura
de CO2 mas também o ecoturismo e
o seu impacto na pesca —, os autores
deste estudo estimam que uma
baleia possa valer 1,8 milhões de
euros e que as populações actuais de
grandes cetáceos valeriam, no total,
qualquer coisa perto de um bilião de
euros. Ou seja, se fosse preciso sub-
sidiar as actividades que têm impac-
to nas suas vidas, de modo a mitigar
os riscos, os benefícios de um regres-
so do stock destes gigantes aos níveis
da pré-baleação, em termos de
sequestro de carbono, equivaleriam
a 13 euros por habitante. Os autores
sugerem, por isso, que se pense
seriamente em transferir ajuda Ænan-
ceira para os Estados, e que se inte-
grem estas contas nos objectivos de
cada país para o combate às altera-
ções climáticas.
Philip Hoare, que viajou pelos Aço-
res para observar os seres que se
tornaram a sua paixão, lembrava, no
The Guardian , piadas antigas sobre
a inutilidade das baleias, que, vogan-
do pelos mares, de boca aberta, “não
fazem mais nada que comer a porra
do plâncton”. “Bem, entre elas e o
seu plâncton, a piada talvez deva ser
sobre nós. As baleias estão prepara-
das para salvar o mundo. É uma
estranha noção esta — dado tudo o
que nós lhes Æzemos —, mas talvez
esta baleia no Tamisa, tão perdida
no nosso rio, nos tenha oferecido
uma certa esperança.”

3


milhões é o número de baleias
mortas pelas várias frotas
mundiais ao longo do século XX,
segundo um estudo
norte-americano

1,3


milhões é o número actual de
baleias que existem no planeta,
citado no estudo do FMI

PAULO PIMENTA

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