4 • Público • Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019
DESTAQUE
ELEIÇÕES EM MOÇAMBIQUE
Entrevista
António Rodrigues,
em Maputo
O
Centro de Integridade
Pública é uma das mais
importantes organizações
da sociedade civil que
acompanha processos
eleitorais em
Moçambique. Borges Nhimire é o
coordenador do programa de
acompanhamento das eleições de
15 de Outubro, que custou dois
milhões de dólares e teve mais de
500 pessoas no terreno para aferir
a qualidade do recenseamento e
da campanha.
Como correu este processo de
observação eleitoral? Foi
muito diferente dos
anteriores?
O melhor balanço só se pode fazer
com os resultados publicados, mas
podemos dizer que estas eleições
têm muita coisa diferente das
anteriores. Para compreender
estas eleições é preciso recuar um
pouco, até às municipais de há um
ano, num terço do território
nacional. Nelas, a Frelimo ganhou
com 51% dos votos, o seu pior
resultado de sempre, em termos
gerais, e o melhor resultado de
sempre da oposição — com a
Renamo a conquistar o maior
número de municípios alguma vez
conseguido pela oposição no seu
conjunto. Foram as primeiras
eleições sem Afonso Dhlakama e
“Foi uma campanha
eleitoral mortífera”
Borges Nhimire Observador eleitoral diz que estas são as
eleições da transição, mas as 44 mortes da campanha vieram
provar que o Äm da violência ainda não é uma realidade
Vimos uma
campanha em que o
aparato do Estado foi
colocado ao serviço
do partido Frelimo
mostraram que a Renamo
sobrevive sem ele e que a Frelimo
tinha de se preparar para não
perder a maioria parlamentar. Se
ganhou em 2018 com 51% dos
votos, em resultado de muita
manipulação, o mesmo ou pior
poderia acontecer nas eleições
gerais. Tudo o que se fez desde aí
foi para a Frelimo não perder as
eleições, e isso começou com o
recenseamento eleitoral, com toda
a manipulação dos dados. As
pessoas destacam a província de
Gaza, mas não é só Gaza, é
também Cabo Delgado, Nampula,
Zambézia, Tete, Manica e Sofala,
províncias onde há verdadeira
disputa eleitoral. Enquanto Gaza,
onde a Frelimo vence por larga
maioria, ganhou nove assentos
novos no Parlamento; Zambézia e
Nampula, zonas de inÇuência da
Renamo, perderam seis.
Dê-me exemplos dessa
“preparação”, como lhe
chama...
Primeiro, a distância que as
pessoas percorriam para
encontrar um posto de
recenseamento em Gaza e em
Nampula — eram muito mais
longas as distâncias em Nampula
do que em Gaza, e isso tem que ver
com a quantidade de brigadas de
recenseamento alocadas para cada
província. O segundo está
relacionado com o número de
pessoas que cada brigada tinha de
atender: em Nampula eram mais
de mil, enquanto em Gaza uma
brigada atendia cerca de 600
pessoas. E ainda não falámos da
adulteração da amostra que
encontrou em Gaza mais 300 mil
pessoas que não existem nos
registos estatísticos oÆciais. Do
ponto de vista prático, uma eleição
com a província de Gaza ou sem a
província de Gaza é
completamente diferente. Depois
tivemos uma campanha eleitoral
muito feia, com muita violência,
muita intolerância política, e em
nenhuma ocasião ouvimos as
lideranças políticas condenar essa
violência. A Renamo sempre disse
que a violência foi protagonizada
pela Frelimo e não é 100%
verdade, os da Renamo também a
promoveram, seja em retaliação,
seja por iniciativa própria.
A Frelimo esteve por trás da
maioria dos casos?
Os da Frelimo foram campeões da
violência. Intimidando as
caravanas dos candidatos
presidenciais. Daviz Simango, líder
do terceiro maior partido, quando
atravessou o rio Save para a região
sul do país, viu a sua campanha ser
obstruída em pelo menos sete
distritos por pessoas da Frelimo,
que foram Ælmadas, identiÆcadas
pelas câmaras, e não houve
nenhuma responsabilização. Isso
faz-nos chegar à conclusão de que
as armas ainda são muito
importantes em Moçambique,
porque o mesmo não aconteceu
com Ossufo Momade, porque este
tem homens com armas, já que a
desmilitarização da Renamo só
aconteceu no papel, não
aconteceu na prática — apenas
quatro homens entregaram as suas
armas simbolicamente num
universo que se estima ser de mais
de 50 mil homens recenseados
para o desarmamento. Vimos uma
campanha em que o aparato do
Estado foi colocado ao serviço do
partido Frelimo. Não só as viaturas
do Estado, que é o mais visível;
também se usou o dinheiro do
Estado no Ænanciamento indirecto