Público - 14.10.2019

(Barry) #1
8 • Público • Segunda-feira, 14 de Outubro de 2019

ESPAÇO PÚBLICO


Bicicletas, faz uma análise muito boa do
problema, notando que só nos círculos
eleitorais de Lisboa e Porto é que menos de
10% dos votos válidos são “desperdiçados”,
não resultando na eleição de deputados à
Assembleia da República em resultado da
aplicação do método de Hondt. E apenas num
círculo eleitoral (Lisboa) é que menos de 5%
dos votos são “desperdiçados”.
No interior e nas
regiões autónomas
mais de 20% dos
votos são
desperdiçados, com
Portalegre a atingir o
cúmulo de 53% dos
votos a não elegerem
deputados na AR.
Segundo o PÚBLICO,
680.748 eleitores com
votos válidos (de um
total de 4,9 milhões
de eleitores) viram os
seus votos “desperdi-
çados”. É como se
tivessem votado nulo
ou em branco.
E este resultado é
atingido não obstante
o voto útil de eleitores
que não querem ver o
seu voto
desperdiçado e que
optam por votar quer
no PS, quer no PSD. Economista. Escreve à segunda-feira

Ricardo Cabral


Os votos que não contaram


A


s eleições legislativas de 6 de
Outubro já parecem distantes. O
PS ganhou com 36,65% dos votos
do território nacional. A
“geringonça” acabou em divórcio
amigável em que as partes ainda
se falam e vão continuar a falar
com regularidade durante a
próxima legislatura. Os quatro
anos terão sido q.b., sobretudo
para PCP e PS, por razões, obviamente,
distintas. Mas estaremos numa situação em
que tudo mudou para tudo Æcar na mesma?
Poderá ser. A questão em aberto é a
estabilidade política. O PS parece acreditar
que com os talvez 108 (?) deputados que irá
ter serão possíveis entendimentos com os
partidos à sua esquerda nos mesmo moldes
do passado.
O risco de um segundo governo com quase
os mesmos actores políticos ser pior do que o
primeiro não é pequeno: porque os principais
líderes políticos provavelmente sentem que
este será o seu último mandato no Governo;
e porque mais seguros e certos das suas
decisões tenderão a não querer fazer
qualquer mudança de estratégia.
Será necessário muito autocontrolo e
humildade do próximo Governo, algo difícil
quando tem o poder a seus pés e quando
acabou de conseguir o primeiro excedente
orçamental em 46 anos de história do país.

Sistema eleitoral não proporcional
É importante também salientar que a
votação no bloco central PS-PSD em
território nacional (64,54% dos votos totais
e 67,43% dos votos válidos) resultou numa
representação na Assembleia da República
de 79,57%, mais 12,14 pontos percentuais
(o equivalente a quase 28 deputados no
Parlamento) do que o resultado eleitoral
conjunto. O PS, com 38,29% dos votos
válidos no território nacional, terá uma
representação na Assembleia da República
de 46,09% ainda sem os deputados dos
círculos da Europa e do Resto do Mundo.
Ou seja, para já, quase 18 dos 106 deputados
do PS eleitos nas legislativas de 2019 são o
bónus ao partido mais votado que o sistema
eleitoral (não) proporcional português lhes
atribui.
Nuno Serra, no blogue Ladrões de

Um português, um voto?
Estas estatísticas demonstram que não é
assim. O lento declínio que se vem
verificando nas últimas eleições na votação
nos principais partidos políticos (em torno
dos 2/3 dos votos válidos em 2009, 2011,
2015 e 2019, em contraste com uma votação
conjunta em torno de 3/4 dos votos válidos
em 1999, 2002 e 2005) não tem reflexo
proporcional no Parlamento.
Todos os partidos, à excepção do PS e do
PSD, são prejudicados pelo actual sistema
eleitoral. Seria importante, por conseguinte,
introduzir alterações de forma a assegurar
maior proporcionalidade entre os votos e a
representação na Assembleia da República,
por exemplo, através da criação de um círculo
nacional de compensação, como defendem,
entre outros, Nuno Serra, Nuno Garoupa e Rui
Tavares.

Uma inovação pela Reserva Federal: O
programa “ not QE ”
A Reserva Federal (Fed) anunciou, na
sexta-feira, os detalhes de um novo
programa de expansão quantitativa,
insistindo, no entanto, que o programa não
era um programa de expansão quantitativa.
Em que Æcamos?
Relembremos a história recente da Fed e do
seu mal-amado presidente, Jerome Powell.
Até 2019, a Fed tinha continuado um
programa de normalização da política
monetária iniciado pela sua antecessora,
continuando a aumentar a taxa de juro de
referência e a retirar, todos os meses, 50 mil
milhões de dólares de liquidez do sistema
bancário.
No início do ano, na sequência da queda da
bolsa no final de Dezembro de 2018 e das
críticas crescentes do Presidente Trump e dos
“mercados financeiros”, o comité de política
monetária, bem, primeiro suspendeu a
trajectória de aumento das taxas de juro de
referência, e a 1 de Agosto começa a reduzi-la,
tendo realizado, desde então, duas descidas
de 0,25 pontos percentuais dessa taxa de juro.
E a partir de Agosto deixou de retirar liquidez
do sistema bancário.
Neste período, muitas críticas de Trump a
Powell, algumas das quais respostas
virulentas e desbragadas via Twitter a críticas
veladas de Powell à política económica da
Administração Trump.

Deve a política monetária da Fed
procurar assegurar a não reeleição de
Trump?
Em particular, Jerome Powell interrogou-se
publicamente se a Fed deveria responder a
desaÆos colocados pela política comercial da
Administração Trump (leia-se, a guerra
comercial), argumentando que não e
parecendo criticar a Administração Trump
pela guerra comercial.

Quase 18 dos
106 deputados
do PS eleitos
são o bónus
ao partido mais
votado que
o sistema
eleitoral
português
lhes atribui

No final de Agosto, Bill Dudley, um antigo
presidente da Fed de Nova Iorque, num artigo
de opinião publicado pela Bloomberg,
pareceu fazer eco desta posição,
argumentando que a Fed não deveria adoptar
política monetária acomodatícia para
responder às consequências da guerra
comercial da Administração Trump de forma
a não ajudar Trump a ser reeleito.
O parágrafo final desse texto de opinião é,
aliás, ainda mais polémico ao sugerir que faria
parte do mandato de política monetária da
Fed influenciar o resultado das eleições
presidenciais, com o objectivo de assegurar
para os EUA o melhor resultado económico
de longo prazo. Ou seja, a Fed (gerida de
forma independente por tecnocratas não
eleitos) deveria procurar assegurar que
Donald Trump não seja reeleito em 2020.

O flip-flop de Powell
Em meados de Setembro, a Fed perdeu o
controlo das taxas de juro de curto prazo,
como já analisado aqui, e viu-se obrigada a
inverter de rumo, passando a aumentar a
dimensão do seu balanço (aumentando a
base monetária) através de operações
temporárias.
Na sexta-feira, anuncia a compra de 60 mil
milhões de dólares de bilhetes do Tesouro por
mês pelo menos até ao segundo trimestre de
2020 (entre 400 e 560 mil milhões de dólares
de compras de bilhetes do Tesouro), a que
acrescem operações temporárias de cedência
de liquidez de pelo menos 145 mil milhões de
dólares, já parcialmente implementadas mas
que continuarão até pelo menos Janeiro de
2019.
Powell argumenta que não se trata de um
novo programa de expansão quantitativa
porque o objectivo é somente assegurar que
a Fed é capaz de manter a taxa de juro de
empréstimos interbancários dentro do
intervalo definido pela mesma.
Mas, na realidade, não há diferenças
substantivas. Trata-se, de facto, de um
programa de expansão quantitativa (compra
permanente de activos financeiros), aliás, de
maior dimensão daquele que recentemente
foi anunciado pelo BCE.
O comité de política monetária e Powell,
em particular, ficam mal na fotografia porque
se vêem obrigados a inverter o sentido da
política monetária que implementaram até
Julho deste ano, dando razão aos críticos (e a
Trump) que consideravam que a Fed estaria a
ir longe demais.
Mas é positivo que o comité de política
monetária da Fed esteja disposto a assumir
publicamente esse flip-flop , sinalizando que
está mais preocupado com os efeitos da
política monetária do que com a reputação
dos seus membros.

2015 2019


Votos desperdiçados, em %

Percentagem de votos em partidos
ou coligações que não elegeram
deputados em círculos eleitorais
do continente (2015 e 2019)

Fonte: Nuno Serra, blogue Ladrões de Bicicletas PÚBLICO

Até 7,5% 7,5% a 15% 15% a 22,5%
22,5% a 30% 30% e mais

21
6 13
7
11 16 17

23

27
7

13

14

6

8

14

15

9

13

28
12 20
7

(^122524)
29
53
16
21
19
4
12
41
34
25
19
O lento declínio que se vem
verificando na votação
nos principais partidos
políticos não tem reflexo
proporcional no Parlamento

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