era milagrosa. Para um, as letras formavam “Fratricida”; aos olhos de outro,
surgia: “Ladrão sacrílego”; o terceiro só poderia ler, como realmente leu:
“Envenenador!” E assim cada acusador lia, na areia, na mesma areia em que
caíram as lágrimas da pecadora, o crime que lhe enodoava a consciência.
Califa — Que fizeram, então, os pérfidos judeus que acusavam a
adúltera?
Vizir — Retiraram-se todos. Jesus levantou-se e, não vendo senão a
infeliz pecadora, que continuava a chorar, perguntou-lhe: “Mulher, onde
estão os teus acusadores? Ninguém te condenou?” Ela respondeu, num fio
de voz: “Ninguém, Senhor!” Disse então Jesus, com longanimidade: “Nem
eu também te condeno. Vai-te, minha filha, vai-te e não tornes a pecar!” E
aqui sua alma deixava transparecer toda a infinita caridade de que era
formada.
Califa — É admirável!
Vizir — Com essa sábia e divina sentença, ó califa, ensinou Jesus, aos
homens, que o amor, o amor verdadeiro, se resume no perdão. Para amar, é
preciso saber perdoar. Muito ama aquele que muito perdoa.
Foi esse, meu bom amigo, segundo a lenda, o Natal do bom califa. Posso
afirmar isso com absoluta certeza, embora saiba que a certeza, na vida, é
mais rara do que a flor do anem do deserto de Rub-al-Khali.
Uassalã!^6