Mais tarde, em Argel, conversando com um guitarrista, chamado Saliba
ou Taliba (não me lembro bem), recebi novos informes sobre o famoso juiz
Rafik, o sábio.
— É extraordinário — confirmou com veemência o guitarrista. — Não é
possível encontrar, entre os muçulmanos, homem tão surpreendente.
Conhece até as letras misteriosas do Livro de Alá.^5
Aqueles elogios (ditados pela sinceridade popular) despertaram em mim
vivo desejo de conhecer o prestigioso e justo cádi Rafik ben-Najm Fares
Hadjdjat.
Quando estive, pela terceira vez, em Khalfallah,^6 vendendo louças,
relógios, tecidos e comprando pistache (serviço exclusivo do xeque Abd el-
Rahmã), tive a excelsa ventura de conhecer pessoalmente o justo cádi Rafik
ben-Najm.
Será interessante, ó irmão dos árabes,^7 contar o caso como ocorreu.
Na faina diária, em busca de bons negócios, eu havia saído com dois
criadores de ovelhas, de Maalif,^8 a fim de levá-los à presença do xeque Abd
el-Rahmã, o homem mais violento e impulsivo que conheci até hoje. Ao
atravessar pequena povoação indígena, avistei inquieta multidão que se
amontoava na porta de uma tenda. Achavam-se ali mercadores árabes,
berberes do deserto, nômades esfarrapados e até mulheres. Indaguei do que
se tratava.
— É o sábio e justo cádi que está julgando — disse-me um berbere,
maneta, de turbante sujo, remordendo dois galhinhos de raque.^9
— O justo cádi Rafik ben-Najm?
— Sim, esse mesmo — corroborou com voz meio cantada o meu
informante. — Já está no terceiro caso.
Voltei-me para os homens de Maalif e disse-lhes numa decisão
inapelável:
— Esperem por mim. Um instante.
E meti-me no meio dos curiosos. Depois de alguns empurrões e muitas
pragas (três pragas e meia para cada empurrão), consegui chegar ao interior