Novas Lendas Orientais

(Carla ScalaEjcveS) #1

da Kaimat al-hadl (Tenda da Justiça), que era, aliás, ampla e confortável, com
sete panos listrados.


Reconheci logo o honrado e prestigioso cádi. Estava sentado, pernas
cruzadas, em grande almofada, e tinha à sua direita, sobre pequena banqueta,
soberbo exemplar do Alcorão. Abria-se, na frente do juiz, largo círculo
vazio. Para aquele círculo eram conduzidos os réus, as testemunhas, os
acusadores e os litigantes. Atrás do justo cádi, também sentados à moda
árabe, achavam-se seus dois auxiliares e cinco guardas armados com espadas
recurvas de aço indianizado. Os secretários anotavam, em grandes livros de
capa escura, os nomes que interessavam, os fatos que ocorriam e as decisões
do cádi. No alto, no centro de belo escudo prateado, lia-se esta sentença:
Fihilm alauiát ua adlihem iajed addoafa amaluon (Na bondade e na justiça dos
fortes reside toda a esperança dos fracos).


Observei o justo cádi. Era homem de meia-idade; discreto e impecável
nos trajes; rosto largo, barba preta e bem-cuidada. Fisionomia simpática;
olhar expressivo. Os seus gestos eram serenos. Deixava, ao mais rápido
exame, a impressão de ser pessoa culta e finamente educada.


Um árabe agigantado, de roupa escura, turbante amarelo e semblante
carrancudo, perfil adunco de coruja, que se achava de pé na primeira fila dos
assistentes, depois de consultar uma folha de papel, anunciou em voz alta:


— Vai ser julgado agora, pelo nobre e honrado cádi Rafik ben-Najm
Fares Hadjdjat, representante de nosso governador, o caso da jovem Najat^10
bint-Djelfa,^11 que é reclamada por dois maridos.


(Ele proferira o nome feminino — Na-já — separando bem as sílabas.)
Tudo parecia seguir, para mim, um rumo bem curioso.
O argeliano do semblante carrancudo bateu palmas. Aqui e ali brotavam,
entre os presentes, gestos de impaciência e curiosidade. Uma rapariga,
seguida de dois homens, atravessou, aos arrancos, o grupo compacto dos
curiosos e foi colocar-se no centro do círculo livre, em frente ao cádi.


Era aquela a jovem de Djelfa que os azares da vida levaram, com dois
maridos, ao tribunal. Devia ter, no máximo, vinte ou 22 anos. Seus olhos
eram negros bem rasgados e vivos; os cabelos castanhos pareciam brilhar sob
o lenço de seda azul que lhe cobria a cabeça. Ostentava um fustam^12 discreto

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