— Justo cádi — respondeu a moça com voz cheia de meiguice,
envolvendo suas palavras num sorriso de simpatia —, nada posso resolver.
Não desejo, neste momento, decidir do meu destino. O generoso Sidi^21
Chahin é bom, extremamente delicado para mim; vivo bem em sua
companhia. — Aqui fez ligeira pausa. E concluiu com candura: — Hassã
jura, pela sombra da Caaba, que me quer também...
— Por Alá, justo cádi — acudiu o segundo marido com veemência,
apontando para o rival com um meio sorriso, sem expressão: — Eu sei
muito bem por que ele a quer. Eu sei muito bem, ó venerável ulemá!^22 Najat
é bondosa; é diligente; é meiga; é prestativa. Esse moço julga-se poeta e
escreve, todos os dias, versos e mais versos. Najat, para agradá-lo, lia com
paciência os versos e decorava os poemas. É por isso que ele a quer!
— Perdão, justo cádi! — revidou asperamente o primeiro marido,
transbordante de ódio. — Eu sei muito bem por que esse velho a quer!
Najat é boa dona de casa; quieta e modesta; prepara com perfeição os pratos
mais finos. Um cabrito assado, com recheio, temperado pelas mãos hábeis
de Najat, é uma delícia; o kichk^23 preparado por Najat pode ser servido em
palácio, ao sultão do Marrocos! Najat não esquece as plantas e as flores da
casa, e cuida até do cão de Sidi Chahin. É por isso que ele a quer, justo cádi!
É por isso!
E repetiu, num gesto de repulsivo nojo:
— É por isso que ele a quer, ó justo cádi!
— Está bem — atalhou o juiz, encerrando o debate. — Está bem! Já ouvi
todos os interessados. Cumpre-me resolver esse caso de acordo com a lei,
sem esquecer a delicada situação de constrangimento dessa jovem reclamada
por dois maridos que, em tudo e por tudo, diferem profundamente um do
outro.
Fez-se profundo silêncio na Tenda da Justiça. Ficaram todos imóveis.
Não se ouvia o mais leve sussurro. O árabe agigantado, do turbante amarelo,
com os braços cruzados, aguardava, impassivelmente, a sentença. Só o cão
de Sidi Chahin, despertado com os gritos do primeiro marido, agitava sua
longa cauda avermelhada.