E puxando-me de leve, muito de leve, pelo braço, tagarelou, com doce
brandura:
— Vem! Senta-te, aqui, meu querido Adibo Daniel Maaruf! Deixa as
tuas uvas e chega-te para mim! Pelo Buda de Esmeralda! Não tenhas medo!
Certo vexame, misto de timidez e incerteza, apoderou-se de mim. Sentia
o bater descompassado do coração. Encantava-me, no convite que acabara de
ouvir, a espontaneidade com que fora feito. Era aquela a primeira aventura
sentimental de minha vida. Larguei a cesta das uvas junto à parede e
acomodei-me, respeitoso, embora confuso e perturbado, em pequena
almofada ao lado da sedutora kafira.^14 Só então voltei minha atenção para os
dois homens que ali se achavam. Examinei-os de relance. Eram ambos
estranhos para mim. Estranhos pelos trajes e mais estranhos ainda pelas
atitudes. Vieram de longe — pensei — e são estrangeiros. Sim, mas de que
terra? Que pretendiam ali? Seriam chineses? Teriam vindo do longínquo
Ceilão? Multiplicavam-se os enigmas no labirinto fervilhante de meus
pensamentos. Adivinhava nos desconhecidos um não-sei-quê de misterioso
e assustador.
Um deles, o mais gordo, de rosto redondo, tinha o braço direito
entalado; seus olhos rasgados, frios como aço, fugiam obliquamente para as
frontes; o outro, o mais magro, usava uma barbicha rala, avermelhada e já
mudando de cor.
Houve um instante de silêncio na roda. A esplendorosa Nurenahar, o
rosto inclinado, fitava-me risonha. E eu não deixava, um só instante, de
contemplá-la embevecido. Vê-la era sonhar, e o sonho é toda a minha vida.
Convergiram para mim os olhares esmiuçadores dos estrangeiros.
Observaram-me com acentuado e constrangedor acinte. A menor
particularidade (no meu rosto ou nos meus trajes) não escaparia à argúcia
daqueles terríveis espiões.
Interpelou-os Nurenahar, com um sorriso cálido, apontando para mim:
— Que achas da escolha? Preencherá esse jovem alexandrino as
condições impostas pela irmã de Phra-Mongkut?^15
O homem do braço entalado inclinou a cabeça, passou a mão esquerda
pelo queixo e proferiu com a fria delicadeza da indiferença: