Novas Lendas Orientais

(Carla ScalaEjcveS) #1

Todas as fúrias do desespero apoderaram-se de meu pai. Via-se, de um
momento para o outro, privado da companheira e dos três filhos. Receoso
de novas desgraças, achou meu pai que seria mais acertado e mais seguro
mandar-me, o mais depressa possível, para a cidade de Bagdá, onde vivia
Lala Rafif,^18 sua irmã mais velha, mulher de muito prestígio, esposa única de
um cádi.^19 Outro motivo muito sério interferia nessa grave resolução de
meu pai. Um príncipe laotiano^20 , de Patawi, que vivia no alto Menam, entre
grandes bosques de tamarindo, insistia (com muita arrogância e
atrevimento) em querer casar comigo. Com tal enlace meu pai jamais
poderia concordar. O príncipe Patawi era odiento. Tham-na-bom-ling-frai!^21


Eu tinha, nesse tempo, pouco mais de dezessete anos e estava bem longe
dos dezenove.


E numa noite de lua, sob um céu muito calmo, parti da foz do saudoso
Menam, ao embalo das ondas verdes daquele mar imenso que rodeia a
minha terra natal.


Longa e penosa, sem deixar o menor resquício de saudade, foi essa
viagem torturante, em grande veleiro inglês, desde o golfo de Sião até às
praias remotas do Golfo Pérsico. Entregue, por meu pai, aos cuidados de um
dervixe^22 macambúzio (homem íntegro e de boa têmpera), consegui chegar
sã e salva ao país dos muçulmanos. No decorrer da perigosa travessia, que
durou 47 dias, fui, pelos reloucados tripulantes, pedida em casamento 73
vezes! Soturno e grave, na sua perspicácia, o monge respondeu, sem
pestanejar, 73 vezes: não! Em muitos casos, amolentada pela nostalgia do
mar, relentada pelo isolamento da vida (puro sentimentalismo!), eu teria
sido impelida a responder: sim!


Uma caravana bem provida, amparada por poderosa escolta, paga a peso
de ouro, levou-me de Báçora para Bagdá. Magnífica viagem! Deram-me um
cheqdefe^23 em um camelo bem ensinado, que se ajoelhava devagar quando eu
queria descer. Cheguei à lendária cidade dos califas^24 no último dia do mês
de Ramadã.^25 Era hora do poente. As ruas surgiam repletas. Percebia-se
agitação entre os adeptos de Mafoma.^26 Recebeu-me tia Rafif com extrema
alegria e simpatia. Era uma senhora de 47 anos (contando bem, 51) que
aparentava ser bem mais moça. Corpulenta e alta, orgulhava-se de sua pele
clara, límpida e fresca. Os seus olhos, debruados de kohl ,^27 eram negros e

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