vivazes. O bom humor iluminava, a cada instante, o seu rosto redondo e
corado. Ria, ria muito a propósito de tudo, e seus lábios, dilatados pelo
detestável dairã ,^28 eram de uma tonalidade azulada. Falava-me sempre com
carinho, abraçava-me com cativante ternura. Dava-me conselhos, indagava
dos meus segredos, inquiria com certa pieguice das minhas intimidades
como se fosse minha mãe. E eu comecei a estimá-la desde o primeiro
momento em que a vi. Adorável e querida tia Rafif! Tinha a mania dos
perfumes. Usava em seus vestidos, em seus véus, essências raras de sândalo
e de rosas. Os seus tapetes, os seus divãs, a sua casa, enfim, era toda regada
com essência de gerânio.
Profundas modificações sofri em meus hábitos. As modas e costumes do
Sião (país de gente simples e honesta) eram incompatíveis com a vida
artificial e complicada de Bagdá.
Obrigou-me tia Rafif (e isso desde o primeiro dia) a andar de rosto
coberto “para não chamar muito a atenção”,^29 e não permitia que mesmo
dentro de nossa casa, no harém,^30 eu me apresentasse com o seio direito
descoberto, ou colocasse na testa o mimoso distintivo da donzela siamesa.^31
Tudo é explicável no plano simples da vida. Não há limites para o amor
que lateja no coração dos bons. A irmã de meu pai não tinha filhos; os
outros parentes moravam longe e raramente a procuravam; e, por isso, só
por isso, tomou-se de grande amizade por mim. Elogiava as minhas mãos;
exaltava o brilho dos meus olhos e a garridice dos meus gestos; considerava
sem igual, no mundo, a cor dos meus cabelos. Descobria, em meu rosto,
traços de formosura que até então eu própria ignorara. Repetia, com sincero
e arrebatado enlevo, inundando-me com seus perfumes: “Tu pareces, ó
siamesa infiel,^32 uma huri do céu mais alto!^33 Que olhos!... Que cabelos!...
Que boca!... Yallah , ó Nurenahar! Yallah! ”^34
Falarei, agora, do justo cádi^35 Ninfun Chamie, esposo de minha tia.
Baixo, magrinho, usava o rosto sem barba; era ligeiramente calvo e tinha um
defeito qualquer no pé esquerdo. O justo cádi mancava ligeiramente.
Notei várias vezes (particularidade que escapava aos sentidos argutos de
minha tia) que o justo cádi, homem de gênio bem-humorado, olhava para
mim com um interesse que o nosso parentesco estava muito longe de
justificar. Bichanava^36 futilidades, repetia os maviosos versos de Abbas bin al-