Novas Lendas Orientais

(Carla ScalaEjcveS) #1

lhe, sem nada ocultar, tudo que havia ocorrido no corredor escuro durante a
sua ausência. Aprendi com minha saudosa mãe a ser leal e honesta. O
veneno da intriga, com seus deploráveis malefícios, passa bem longe de
mim. É princípio entre os siameses. Todas as minhas ações são inspiradas
pela sinceridade dos meus propósitos e pela gratidão que devo aos que me
tratam bem. E alertei minha tia sobre a realidade crua dos fatos, sublinhando
com a maior franqueza:


— Se a senhora pretende manter-se na privilegiada situação de esposa
única do justo cádi, trate de me casar o mais depressa possível! Os meus
pressentimentos não são bons! Não desejo enturvar a sua vida!


Ao ouvir o relato fiel do assalto no corredor escuro (eu contei tudo,
tintim por tintim), tia Rafif, sem se mostrar impressionada, abraçou-me e
beijou-me com maternal ternura. Os seus lábios grossos, azulados pelo dairã ,
tremiam.


Recalcando os seus cuidados e ciúme, soluçou emocionada, envolvendo-
me numa albaforada de perfumes:^44 “Querida Nurenahar! Tua mãe educou-
te à perfeição! És leal, honesta e digna como teu pai! Comoveu-me o teu
recatado alarme. A tentação reside nos teus olhos, no teu riso, no teu corpo
modelar. Cheitã^45 fez ninho em teus encantos! A tua provocadora beleza
redime meu bom e fiel marido de qualquer culpa! Ele é inocente,
completamente inocente!”


E, depois de ligeira pausa, acrescentou, com muita graça, um tanto
compenetrada, com palmadinhas no peito, os olhos úmidos:


— Quero, porém, continuar, neste lar e na vida, como esposa única.^46
Envencilhada pelo amor de meu marido, deliberei ser esposa única, e esposa
única até morrer! Não dividirei com outra mulher o quinhão de amor que o
destino me outorgou. Vou promover, portanto, o mais depressa possível, o
teu casamento. Se Alá quiser, casarás dentro de poucos dias com um xeque
bagdali!^47


— Com um xeque? — estranhei, fitando-a muito séria. — Lala! Eu sou
budista, eu sou uma infiel!


— Não importa — discordou tia Rafif, na sua gravidade de matrona,
trejeitando com os lábios um gesto de indiferença. — Não importa, repito!

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