Em Dimischk,^1 nossa vida recuperou o seu ritmo e voltou a ser segura e
tranquila, sem solavancos inúteis. Para evitar possíveis contrariedades e
garantir a permanência de seu precioso título — esposa única —, tia Rafif
fez constar que o meu casamento fora real e legítimo e obrigou-me a aceitar
um marido alugado.^2 Os fatos que ocorriam em Damasco diferiam muito
dos planos arquitetados em Bagdá. Casei-me, não com um xeque bagdali,
mas com um pobre falcoeiro sírio, mal-ajambrado, chamado Elias Sequef,
homem envilecido pelos azares da vida, cem vezes macerado pela sorte.
E o justo cádi? Ora, o justo cádi não soube do meu falso casamento. Se
estivesse em nossa casa não admitiria a mistificação. Dias antes, em
companhia do velho xeque, seu pai, ele havia partido para Baalbec^3 . Tia Rafif
recomendou-me que ficassse presa no quarto (sem aparecer a ninguém)
durante vinte dias. Isso tudo era para fazer crer, aos parentes e amigos, que
eu partira, com o infeliz falcoeiro, em viagem de núpcias.
Mas a minha situação nada tinha de invejável: era casada, legalmente
casada, e continuava solteira. Três vezes solteira. Solteira em todos os
sentidos. Como é triste malgastar a mocidade tão relimada pelo sonho! E
com isso eu vivia bastante acabrunhada.
Diante do destino, a nossa vida é como a pena arrastada pelo hamsim.^4 Os
nossos sonhos e esperanças valem menos do que o rastro deixado, na areia,
pelo primeiro camelo da caravana.^5
Eis o que comigo ocorreu sob o céu de Damasco na terceira lua do mês
de Rabi-el-akir.^6
Certa manhã, manhã muito quente de verão, obtida a necessária
permissão de tia Rafif, fui dar umas voltas pelas ghutas^7 floridas até o rio. Ao
regressar, acompanhada de uma escrava negra, junto ao malcheiroso khan
Sultani,^8 a pequena distância de Bab el-Malek,^9 avistei dois floristas chineses.
Parei. Lembrei-me de meu pai, de minha mãe tão querida, de minha terra,
de Bangcoc com seus klongs e seus templos maravilhosos.^10 Um dos
chineses, cara verrugosa, de cachimbo na boca, acocorado no chão, parecia
dormitar descuidado; o outro, com um gorro preto na cabeça, de mãos atrás
das costas, o olhar perdido na distância, vigiava a barraca. Espalhadas pelo
solo viam-se valiosas mercadorias à sombra dos toldos listrados.