Cambistas mal-encarados, aguadeiros andrajosos e ambulantes
malangueiros cruzavam a rua na lufa-lufa constante.
— Berrid! ala Kalkak!^11 — berrava sem cessar um sírio machacaz,
vendendo limonada.
— Mou-allah, ya ouled!^12 — gania o outro, oferecendo aos damascenos
tzoulbas^13 secas.
Não me sentia interessada pelos vendedores. Os seus pregões ludibriosos
eram enigmas, em árabe, para mim. As suas ganduras^14 rotas e sujas
causavam-me piedade. Acerquei-me do chinês do gorro preto e disse-lhe
duas ou três palavras em dialeto siamês. O florista não ocultou o espanto
que as minhas palavras lhe haviam causado. Tinha o ar apatetado. Parecia
um sonâmbulo. Tocou com a ponta do pé nas costas do companheiro; este
levantou-se de golpe.
— Que houve? — perguntou maquinalmente. — Que flores deseja,
minha bela senhora?
— Deixa as flores — recalcitrou, irritado, o chinês do gorro. — Esta
jovem muçulmana fala o siamês!
— Siamês? — estranhou o chinês da cara verrugosa. — É lá possível
semelhante prodígio? Hi... hi... hi...
E expandiu-se numa risadinha metálica, irritante.
Deliberei levar até o fim aquela aventura. Divertida seria a reação dos
amarelos.
— Não se assustem — retorqui, levantando o haic^15 e falando em dialeto
de minha terra. — Sou siamesa, budista e nasci em Bangcoc!
Os dois amarelos, engolfados pelo espanto, entreolharam-se.
No caso, a surpresa seria muito natural. Como obrigar uma pessoa
sensata, em pleno dia, sob o céu damasceno, a aceitar o inverossímil?
Sim, o meu caso (apreciado friamente) era inteiramente inverossímil.
Uma budista, de rosto velado, seguida de escrava negra, a caminhar pelas
ruas mais agitadas de Damasco.