Findas as danças, retiraram-se as bailarinas (eram todas escravas do rei) e
a música cessou seus acordes. Vi surgir, no salão, saindo de uma porta
lateral, um novo personagem, para mim inesperado. Todos o observavam
com cativante interesse e simpatia. Até a rainha, sempre séria e de mau
humor, esboçou a sombra de um sorriso. Era um homem alto, magro,
fisionomia expressiva e o rosto ligeiramente encurvado. Seus olhos eram
claros e vivos. Erguia com certo orgulho a face bem barbeada. Sobre a roupa
comum vestia uma espécie de túnica amarela que chegava até os joelhos. Na
mão direita trazia uma vareta de quatro a cinco palmos de comprimento.
— Encanta-me a vossa presença — declarou o rei, retomando o seu ar
majestoso e dirigindo-se tranqüilo ao homem da túnica amarela. — Todos
nós nos sentimos ansiosos por ouvir a vossa palavra simples e eloquente.
Largo silêncio, imposto pela curiosidade geral, pesou no salão.
O amável Tin-Key veio em meu auxílio. Aquele esmagriçado siamês, que
acabava de chegar, era o famoso e erudito Liang-Chang, budista de boa casta,
elevado ao galarim do prestígio nos meios cultos. Desempenhava, na corte
siamesa, a honrosa função de “contador de histórias”.
— E vamos ouvi-lo? — indaguei.
— Sim — confirmou, com júbilo, Tin-Key. — Vamos ouvi-lo.
E galhofou baixinho, malicioso, encostado numa coluna:
— Até o rei será capaz de dormir sob a cadência de sua voz!
Para atender aos desejos do soberano siamês, o eloquente Liang-Chang
encaminhou-se até o centro do salão e depois de saudar, sem espalhafato,
todos os presentes, iniciou o relato de singular lenda budista. Tudo farei para
reproduzi-la, conforme a tradução que me foi feita.