dois oficiais, desceu lenta e pausadamente os sete degraus do trono,
acenando para mim com acentuada familiaridade.
Aproximei-me do monarca, sem ferir as praxes e cerimônias da corte
siamesa. Ao vê-lo assim de perto, pareceu-me bem mais velho e arruinado.
O tempo esculpira nele a máscara da implacável ancianidade. Tinha a pele
do rosto engelhada e repisada de pequeninas nódoas avermelhadas. Nas asas
do nariz, percebiam-se vestígios de antigas cicatrizes. Seus lábios eram finos
em demasia e seus olhos acentuadamente chineses. Na face esquerda
repontava uma verruga negra do tamanho de um caroço de azeitona.
— Vem comigo, ó jovem muçulmano — disse-me com ar benévolo. —
Temos muito que conversar.
Falava o árabe com suficiente clareza e correção. Raramente trocava uma
sílaba ou claudicava numa formação verbal mais delicada. Em sua voz,
embora insinuante, sentia-se um quê metálico e firme. Percebia-se, em seu
olhar, cor de tâmara seca, a curiosidade martelante do investigador agindo no
firme propósito de descobrir segredos alheios e aclarar mistérios.
Ofereceu-me amistosamente o braço e, sob o espanto indisfarçável dos
siameses, levou-me, com afetuosa simplicidade, para um espaçoso aposento
que ficava no fundo do corredor principal. Era uma sala ampla, quadrada,
ostensivamente iluminada, com piso de mármore branco, gelatinoso, sendo
as paredes, de alto a baixo, cobertas por esplêndidos tapetes coloridos. Em
muitos desses tapetes haviam sido bordadas figuras de demônios com cabeça
de tigre e corpo de macaco. No centro da sala, esculpido com pedra, erguia-
se a estátua de imponente yaga^4 de chifre retorcido, com as mãos grossas
apoiadas em imenso espadagão de bronze cujo punho era encimado por um
pequeno elefante branco.^5 Olhei curioso, e certamente desconfiado, para
tudo aquilo, e senti, nitidamente, que o rei acompanhava jubiloso o meu
olhar.
Todo o mobiliário do rico aposento se resumia em duas belas poltronas
estofadas. O rei sentou-se na mais larga (bordada de fios de ouro) e
convidou-me a ocupar a outra (de veludo azul-claro). Ajeitei-me na
poltrona um pouco desconfiado. O ar ali era tépido como numa estufa. Que
pretenderia, de mim, naquela entrevista, o rei do Sião?