— Falar contigo? O rei? — duvidou Takla, com desabrimento, receosa de
que o marido, envenenado pelas complicações geométricas e astrológicas,
tivesse perdido a luz da razão.
— Sim — confirmou Mosab. — Apressa-te, mulher! Vai o califa receber-
me, agora mesmo, em audiência especial. Não é sonho, nem delírio! Um
capitão da guarda está à minha espera, na porta. Que será?
— Sim, que será?
A dúvida, numa inquietação sem limites, cintilava nos olhos negros e
expressivos de Takla.
E, quando Mosab vestia seus trajes mais novos, enfiava a djallaba^4 mais
fina e enrolava na cabeça vistoso turbante cinza, tentava adivinhar a razão
daquele honroso chamado.
— Quererá o rei colher alguma informação sobre astrologia? — arriscou
Mosab, ansioso por ouvir a opinião da esposa.
Takla não aceitava esse palpite. Nada de astrologia. O ambicioso Abd al-
Malik, filho de Marwan, não olhava para as estrelas do céu, nem acreditava
nos adivinhos da Terra. Recebera, certamente, algum documento secreto da
Pérsia e queria que Mosab (apontado como verdadeiro Koodjha ) traduzisse
as letras e revelasse o segredo. Era isso, com certeza, e nada mais, Inch’ allah!^5
O fato é que Mosab Ali Hosbã, o talebe medinense, sempre capengando,
com todas as inquietações da incerteza, foi levado à presença do grande
monarca Abd al-Malik, filho de Marwan, comendador dos crentes.
Os nobres muçulmanos que viram o talebe atravessar, com passos
arrancados, os amplos e luxuosos salões do palácio, indagavam entre
cochichos e sorrisos desdenhosos:
— Que pretenderá o rei ouvir desse astrólogo da perna torta?
A verdade do caso não transpareceu, pois a audiência, por determinação
do califa, foi cercada do maior sigilo. No divã^6 ficaram, apenas, o emir dos
árabes, o prestigioso Abd al-Malik, e o talebe Mosab, seu convidado. Todos
os secretários, guardas e servos se retiraram.