Sim, sim, professor! Muito bem! Mas a minha situação, naquela aula, era
delicada. O rapaz leviano a meu lado continuava a falar, perturbando-me na
minha aplicação ao estudo. Para não parecer grosseiro, ou pouco educado,
eu fingia que não o ouvia. Eis o que ele narrava para a linda moreninha dos
brincos azuis:
— A sorte favoreceu o beduíno chamado Sayad. Era, aliás, o mais velho
dos três. Olhou Sayad para a bolsa, onde rebrilhavam dinares de ouro;
observou o camelo, que devia valer bom dinheiro, e fitou com bondade e
encantamento o garotinho. Depois de meditar um ou dois minutos,
declarou o beduíno Sayad, numa decisão inabalável: “Meus amigos, resolvi
escolher...”
O professor Bechalani, agora junto ao quadro-negro, discorria com
entusiasmo, arrebatado pela beleza do assunto:
— Na linguagem falada, o tê-curto quase nunca se pronuncia, ou
melhor, não exerce o papel de tê. Assinalamos, em muitas palavras,
importante modificação fonética. O tê desaparece, transmudando-se em iê
ou mesmo em alef. Tal o caso da palavra chammát (vela), que pronunciamos
“chammáa”. Aqui está o tê final transformado em alef. Outro exemplo. Todo
mundo escreve tauilat ; fala-se, porém, “tauili”...
Voltei-me, precisamente nesse instante, para o colega conversador.
Esquecido da aula, continuava ele, muito jovial, a relatar para a namorada a
tal aventura dos três beduínos:
— E, afinal, Zaíde, como contei, cada beduíno fez a sua escolha. Um
levou o camelo, optou o segundo pela bolsa e coube ao terceiro o garotinho
órfão que choramingava. E Sayad, o mais prudente e o mais judicioso dos
três, sugeriu o seguinte: “Dentro de poucas horas, tomaremos rumos
diferentes pelos caminhos de Alá. Cada um de nós vai seguir a sua sorte,
levando, desta bela jornada, uma dádiva do destino. É provável que as nossas
vidas, em consequência das escolhas que fizemos, sofram perturbações
imprevisíveis e viravoltas incalculáveis. Pois bem, meus amigos, façamos um
pacto: dentro de vinte anos, contados dia a dia, voltaremos todos os três a
este mesmo sítio. E cada um de nós dirá aos outros dois o que lucrou, ou o
que perdeu, com a escolha feita, se a vida transmudou ou não depois deste
dia. Será interessante lançar esta insolente chicotada ao futuro: que surpresa