uma novela policial arquitetada pelo romancista Y. O fato, em resumo, era o
seguinte: o tal conto folclórico, “Treze, sexta-feira”, podia ser de X, de Y ou
de Z. Meu, afinal, é que não era.
— Ora, deixemos de fantasias — insistiu Lenora com delicioso
encantamento. — Não há confusão alguma de minha parte. O conto por
mim citado é teu, meu caro xeque. Não poderás negar. É teu pela forma, é
teu, ainda, pelo enredo, é teu, finalmente, pelo cenário, pelos conceitos e
pelas conclusões. É teu nas cinco dimensões do espaço literário . Encontrei-o,
casualmente, há dois ou três meses, em Para Ti , a fulgurante revista
argentina. Acompanhava-o uma ilustração estranha, na qual aparecia um
negro gigantesco, de tanga vermelha, com um turbante escandaloso, tocando
tambor. Se pretendes repudiar a tua obra, não contes com a minha
cumplicidade.
E, dizendo isso, olhava muito fita para mim.
Com uma serenidade que a mim mesmo surpreendia, fiz ver à minha
gentil interlocutora que não pretendia negar a autoria de uma página tão
curiosa de ficção em torno do número fatídico — o célebre dez mais três das
incríveis numerologias. Seria loucura retalhar com o alfanje do repúdio
interessante conto que despertara a atenção de uma jovem tão cintilante,
com o espírito crítico afiado por inteligência viva e por sólida cultura
literária e artística. Repudiar uma obra literária equivale a abandonar um
filho pequeno em meio de floresta escura. É fazer o que fez (segundo a
lenda) o pobre lenhador, pai do Pequeno Polegar. Não, minha amiga, nunca!
Não há clima em meu espírito para torpezas desse gênero. Os Pequenos
Polegares, filhos da minha imaginação, eu os conservo sob meu teto, teto
humilde de lenhador do pensamento, tratando-os com bondade e
acalentando-os com simpatia.
Lenora sorriu com finura:
— Estás com a tua memória em curto-circuito, meu caro xeque. É
impossível que esqueças um conto com a mesma facilidade com que
esquecemos o aniversário da sogra ou o endereço de antigo calista. Quem
sabe se ouvindo novamente o conto poderás reconhecê-lo como teu filho
legítimo?