Encantou-me aquela ideia. Era um pretexto magnífico para prendê-la
junto a mim durante mais alguns minutos. Disse-lhe, pois, em tom quase
suplicante:
— Conta-me, bondosa Lenora! Conta-me essa singular fantasia, “Treze,
sexta-feira”, lenda ou novela que o tempo arrancou de minhas recordações.
Quero ver até que ponto estou espezinhado e traído pela minha memória
incerta e claudicante.
A formosa pintora surrealista não se fez de rogada. E, com uma voz mais
suave do que um regato marulhante a correr, assim começou:
— O caso passou-se em Timbuctu, a Misteriosa. Sabes onde fica esse
longínquo caravançará humano que a geografia denominou Timbuctu?
— Creio que sim. É uma cidade do Sudão, refúgio de tuaregues,
caçadores negros, mercadores de sal e árabes aventureiros. Fica nas margens
do rio Níger, em plena África ocidental francesa.
— Muito bem. É isso mesmo. Pois segundo o teu conto, que vou tentar
reproduzir tintim por tintim, viveu outrora em Timbuctu um rei chamado
Nezigã, o Calmo. Do retrato de Nezigã concluímos que esse monarca era
cordato, justo e muito ingênuo. Um simplório, enfim, mas de bom íntimo.
Esse rei ouvira dizer que a decadência dos suqués (tribo que habitava
Timbuctu) decorria das superstições grosseiras que envenenavam a alma
daquela pobre gente. Os suqués eram pobres, indolentes, atrasados e
incapazes porque se deixaram dominar por crendices absurdas e sórdidas.
Aceitavam como verdade as abusões mais torpes e ridículas. Acreditavam
nos amuletos, nas benzeduras e nos feitiços. Admitiam que a ferradura dava
sorte, que o canto da coruja era de mau agouro, que o lobisomem aparecia,
galopando por sete estradas, em noite de temporal e que havia pessoas de
mau-olhado. Cultivavam as bruxarias e esconjuros mais inverossímeis
inventados pelos mágicos e mandingueiros. Horrorizou-se o rei Nezigã ao
ouvir tão graves denúncias. Em seu povo, a superstição grosseira entrava pela
alma como o ar entra pelos pulmões de um rinoceronte. Os peixes que
cruzam o Níger, na época das chuvas, eram menos numerosos que as
crendices cultivadas com fanatismo pelos suqués. Um habitante de
Timbuctu seria incapaz de entrar num barco, atravessar a soleira de uma casa
ou subir numa árvore com o pé esquerdo. Nunca. Todos os passos sérios na