desânimo do monarca, o ministro Tazuk, sempre transigente e benévolo,
achou que seria de bom aviso consolar o pávido monarca. Acercou-se, pois,
do chefe africano e, arqueando-se em solene cortesia, assim falou: “Permiti,
ó rei do universo, que eu manifeste a minha obscura e desvaliosa opinião
sobre o caso. Seculares superstições, enraizadas na alma do povo, não podem
ser eliminadas com cortejos de músicos e palhaços. Só há um meio de
combater as crendices que entravam o progresso e estiolam as energias — é
por meio da educação e da instrução. É preciso instruir e educar os homens
para livrá-los dos fantasmas, libertá-los dos duendes e desembaraçá-los das
abusões. Proporcionando ao povo instrução sadia e bem orientada — tendo
essa instrução caráter nitidamente educativo —, as superstições nocivas,
ridículas ou perniciosas vão pouco a pouco desaparecendo. As crendices, na
Antiguidade, eram muito mais numerosas do que são hoje. Quem, nos dias
que correm, vê no rebrilhar do raio ou no ribombar do trovão uma
advertência de Júpiter? Ninguém. Há superstições que desaparecem; outras
há que surgem, transfiguram-se com o passar dos séculos e vão reaparecer,
irreconhecíveis, em clima bem diverso. E, muitas vezes, o fato hoje
proclamado como verdade científica não passa, amanhã, de ridícula crendice.
Hoje, ciência; amanhã, superstição! Levemos, pois, a luz da instrução ao
povo; eduquemos os homens e veremos como eles se libertam desses
ridículos sortilégios e acabam com as feitiçarias.” Concordou o rei Calmo
com as sábias palavras de seu preclaro ministro e comentou muito sério,
olhando-o de esguelha: “Você tem toda razão, meu caro Tazuk! Hoje não
era, realmente, um dia indicado para iniciar a nobre campanha contra a
superstição. Desci da cama, sem querer, com o pé esquerdo; ao atravessar o
salão, pela manhã, avistei aquele servente magro, meio calvo, que tem mau-
olhado; quando cheguei à janela, vi um gato preto no jardim e ouvi um
pescador, na rua, cantando: ‘Xô, xô, peixe fino, xô, xô!’ Essa música me dá
um azar incrível para a semana inteira. Precisamos consultar um oráculo-
benzedor e escolher um dia auspicioso em que os astros estejam em boa
posição.” Ao ouvir aquelas palavras do rei Nezigã, o douto ministro Tazuk
franziu a testa, retorceu a boca e arregalou os olhos. O monarca sudanês era
mais supersticioso do que um pobre e desprezível cameleiro do deserto
africano.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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